domingo, 26 de julho de 2009

Qual a tecnologia envolvida na Urna Eletrônica?

Em mensagem anterior, dedicada ao uso da Internet nas eleições, abri o texto com um comentário marginal, em que chamei de "monstrengos" alguns supostos avanços tecnológicos nacionais do setor público. Lembro-me que a palavra foi usada por meu saudoso Mestre Goffredo para designar o AI-5, durante um ato público realizado no apagar das luzes da ditadura. Disse ele que o AI-5 era um "monstrengo jurídico". Pois agora estamos criando e cultivando monstrengos tecnológicos.

Um dos (talvez poucos, ainda) leitores deste novo blog deixou-me comentário, já publicado, dizendo que minhas palavras seriam uma "depreciação de trabalhos feitos por brasileiros altamente competentes" e que o objeto de minha rápida observação seriam "projetos mundialmente reconhecidos".

Bem... vamos por partes. E aos poucos, porque estou de férias! Falemos, por ora, da urna.

Qual foi o reconhecimento mundial de nossa urna eletrônica? Será que perdi esta notícia?

Esta simples explicação da urna eletrônica não é minha, mas já não me lembro de quem a ouvi. Mas como é muito boa, simples de ser compreendida até por quem nada entende de Informática, eu a tenho repetido toda vez que falo no assunto. A urna é um sistema informático capaz de somar um mais um, até o máximo de quinhentos, durante dez horas. Ora, qualquer um faz um sistema assim. Não há nada de inovador nisso. É um sistema com input pelo teclado e um contador que acumula numa base de dados bastante simples. Programar um website de comércio eletrônico deveria ser mais complexo do que isso.

O curioso é que a massa da população brasileira, que defende a urna como se fosse a Seleção, não repara que, passados mais de dez anos, em um mundo de altíssima competitividade tecnológica, ninguém mais repetiu o "feito". EUA, Alemanha, Japão, para citar apenas três, ainda não conseguiram ensinar um computador de algumas centenas de megahertz de clock a somar um mais um até quinhentos...

Deixando a ironia de lado, outros países ainda não repetiram esta nossa "façanha tecnológica" porque não conseguiram criar uma urna eletrônica auditável. Trata-se na verdade de um problema conceitual: ao que tudo indica, é impossível realizar uma eleição secreta de modo satisfatoriamente auditável e que seja totalmente eletrônica. E digo "auditável", aqui, segundo padrões democráticos.

A propósito, nós brasileiros também não conseguimos descobrir a fórmula da eleição totalmente eletrônica E democraticamente auditável... mas puseram em uso mesmo assim... Por enquanto, ela só é totalmente eletrônica, porém inauditável.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

A vexatória lista da PGFN

É estarrecedora a notícia de que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional divulgou em seu site o nome de 1,034 milhão de devedores, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, inscritos na Dívida Ativa da União e com cobrança judicial.

Não há justificativa lícita para essa divulgação. A Inscrição em Dívida Ativa já é suficiente para assegurar certeza e liquidez aos créditos da União. Já agrega, além disso, um ônus enorme ao contribuinte, pela conseqüente inscrição no CADIN, cadastro de devedores da União, a vedá-lo de contratar com órgãos públicos, firmar convênios, obter financiamentos, etc. Ademais, a propositura de demanda judicial de cobrança já torna pública a situação do contribuinte, posto que os sites dos Tribunais Federais permitem consultas sobre processos em andamento na Justiça Federal, embora, nesse caso, a realidade seja completamente diversa, quer porque as informações são esparsas, e não coligidas em uma única base de dados, quer porque representam demandas judiciais, e não mera declaração de um pretenso credor, expondo o nome de um devedor, quer ainda porque a informação seja completa, inclusive quanto a defesas que o contribuinte tenha apresentado, ou recursos que eventualmente tenha interpostos.

Se assim é, a divulgação da lista de devedores só pode ser vista como medida de verdadeiro constrangimento ao contribuinte, dando-lhe punição adicional e vexatória, a fazer com que todos saibam a situação em que se encontra.

Enquanto os países adotam medidas de controle de fluxo de dados transnacionais de seus cidadãos, como o acordo feito entre a Comunidade Européia e os EUA (Safe Harbor Agreement), controlando os dados pessoais de cidadãos europeus transferidos para o território norte-americano, o nosso Governo faz exatamente o oposto, ou seja, promove a divulgação de informações negativas sobre os brasileiros.

No âmbito interno, tempos atrás, alguns credores se valiam de banda vestida de vermelho, na porta do devedor, para constrangê-lo. O que faz a PGFN é muito pior, pois não apenas os vizinhos do devedor, mas todo mundo, reitere-se, TODO MUNDO, poderá xeretar a malfadada lista, a ver se conhece alguém com o nome nela inscrito.

Sequer é possível saber as efetivas conseqüências da divulgação dessas informações, posto que, depois de expostas na internet, não será mais possível controlá-las, já que numerosos outros sites poderão passar também a deter essas informações, por razões que só a imaginação poderá prever.

Marcos da Costa

Vigilância digital sobre as empresas

A Folha de São Paulo de hoje (06.07.2009), no Caderno Dinheiro, publica matéria "Fisco amplia vigilância digital sobre as empresas" informando que, das 8.200 empresas que estavam obrigadas, 87% já instalaram o sistema da Receita Federal denominado SPED (Sistema Público de Escrituração Digital), composto por três módulos: o Sped Contábil, o Sped Fiscal e a Nota Fiscal Eletrônica.

Tenho sérias dúvidas se medidas como essa, impostas pelo Governo, seriam recebidas de forma tão pacífica pela sociedade, especialmente em países com maior tradição democrática, ou que tenham passado por experiências com resultados catastróficos com o uso indevido da tecnologia pelo Poder Público.

Para começar, a implantação desses sistemas, que sempre visam facilitar a vida dos Governos, tem custos que invariavelmente são transferidos para os cidadãos e as empresas. No caso do sistema Sped, diz a matéria da Folha: “As despesas de implantação do Sped variam muito. Podem custar entre R$ 100 mil e R$ 800 mil, mas há quem tenha gasto até R$ 20 milhões por estar em grande defasagem tecnológica, de acordo com a Ernst & Young”.

O problema, porém, é ainda mais relevante. Ainda eu não houvesse custo algum, a mera instalação de sistema de informática, cedido pelo Governo, em meu computador, já me deixaria preocupado. Não sei se são compatíveis com meu sistema operacional, ou com aplicativos que eu mantenho em meu computador. Não sei sequer se não trazem embutidos erros de programação, que possam causar danos ao meu equipamento e aos dados nele gravados.

Mais preocupante é o fato desses sistemas do Governo, em regra, não terem seus códigos-fonte abertos, impedindo que a comunidade científica brasileira possa pesquisar se tem códigos ocultos, que possam extrair de meu equipamento informações confidenciais.

Só essas preocupações já seriam suficientes para que a sociedade pudesse discutir a obrigatoriedade de instalar aqueles sistemas.

Porém, mesmo que tudo isso pudesse ser superado, restariam ainda as preocupações legítimas sobre o que a Receita Federal fará com os dados das empresas. A própria Folha de São Paulo adverte que “na prática, as companhias passam a ser muito mais vigiadas”. Com a capacidade de processamento de informações dos atuais parques tecnológicos, aliada à troca de dados cada vez mais intensa entre Governos (Federal, Estaduais e Municipais) e seus respectivos órgãos é difícil imaginar o nível de vigilância que será possível ao Poder Público, sobre atos de cidadãos e de empresas.

Há, ainda, a questão da responsabilidade sobre a guarda desses dados, sobre a qual invariavelmente se omite o Governo. Lembrem-se de que CD´s com a íntegra das declarações de Imposto de Renda eram vendidos na Praça da Sé em São Paulo, e que recentemente foi fechado pela Polícia um site que vendia informações pessoais de qualquer cidadão. E de onde, quem vendia essas informações, as obteve?

Marcos da Costa