quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Informatização do processo: uma notícia boa e outra má.

Começo pela boa: o CNJ decidiu que não se pode deixar de receber petições em papel! É boa porque é sensata e também porque é correta sob o prisma da legalidade, princípio tão maltratado neste país.

De fato, não há previsão legal alguma que autorize o fechamento do guichê para recebimento das petições em papel; e, claro, a possibilidade de "regulamentação" que a Lei 11.419/2006 "delega" ao Judiciário - sinto um certo cheiro de inconstitucionalidade nisso - certamente não o transforma em Poder Legislativo, para criar ou extinguir direitos e obrigações que não estejam em lei strictu sensu.

A decisão do Conselho decorreu de provocação feita por um advogado carioca - a notícia divulgada não diz o seu nome, mas o Colega merece meus efusivos aplausos! - que se insurgiu contra uma Portaria (Portaria!?) da Justiça Federal do Rio de Janeiro instituindo a obrigatoriedade do peticionamento por meio eletrônico. Cito um trecho mais da matéria:

"O advogado alegou que a exigência viola o princípio da legalidade, uma vez que a obrigatoriedade do peticionamento eletrônico não está contemplada na Lei 11.419/2006, que trata do processo eletrônico. De acordo com ele, a medida fere as garantias do livre exercício da profissão e de acesso à Justiça. O profissional também argumentou que o sistema eletrônico de peticionamento é falho, diante das dificuldades de acesso e navegação na internet em algumas localidades do estado; que o uso do meio eletrônico é facultativo nos demais órgãos do Poder Judiciário e que a exigência do peticionamento somente por meio eletrônico impõe ônus de aquisição de equipamentos e programas na versão exigida. "

Bem... é o que temos dito há anos. Assino embaixo!

Agora vamos para a má notícia: "Apagão" atrasa processos na Justiça Federal.

Dou um doce para quem adivinhar qual é a relação entre as duas notícias!

Sim, o atraso que vamos experimentar na Justiça Federal de São Paulo decorre de "apagão" do sistema informático, que, aliás, não será o primeiro ocorrido nesta Seção Judiciária. Segundo afirma a notícia, 200 mil processos estão inacessíveis em virtude do problema, decorrente de "uma sobrecarga no banco de dados", que só será corrigida em... abril!

Moral da história: que os gestores do PJ, ou senão o CNJ, ponham mesmo um freio no ritmo de informatização da Justiça; tudo o que não precisamos para a melhoria da prestação jurisdicional são as coisas feitas às pressas, sem orçamento suficiente, sem previsão de seu dimensionamento adequado para o futuro próximo, sem planos de contingência para o caso de as coisas darem errado (porque certamente um dia os sistemas informáticos irão falhar), ou sem uma discussão mais ampla com toda a comunidade jurídica que ponha sobre a mesa os benefícios, riscos e possíveis caminhos e soluções.

Há anos, a informatização do Judiciário - com boas e honrosas exceções, frise-se! - vem sendo feita de modo quase experimental, como se a preocupação maior mais fosse mostrar à sociedade que se está modernizando, do que efetivamente proporcionar a melhoria do serviço; e, por vezes, regras foram impostas até mesmo por gabinetes palacianos totalmente distantes da realidade forense.

O resultado disso aí está: paralisação precoce do sistema, por inoperante; baixa adesão dos advogados (e alguns arautos da modernidade não entendem o porquê!); animosidade entre a Advocacia e o Judiciário, quando ambas as classes deveriam estar de mãos dadas, em um esforço unido pela melhoria do funcionamento da Justiça em nosso país.

Que o CNJ pense na informatização da Justiça com mais serenidade, com consciência do orçamento que se tem e o mais longe possível dos holofotes. Justiça boa é a que funciona, e não a que parece moderna...

PS1: Antes que venha a crítica para me chamar de "avesso à tecnologia", "dinossauro", etc. (bem... já cansei de ouvir isso, mas só posso dar risada, pois tenho consciência suficiente do quanto conheço e do quanto me dou bem com a tecnologia...): esta mensagem não é contra a informatização do Judiciário; é a favor da informatização que funcione e que também respeite a Constituição, a Lei, as garantias processuais, as prerrogativas profissionais...

PS2: A propósito desta mensagem, uma informação de caráter pessoal: tomei um chá de ânimo, disciplinei meus horários e estou dando sequência nos meus antigos planos de postular a Livre-Docência. Se correr como o planejado, apresento a tese neste ano. Se, infelizmente, não correr, do ano que vem não passa! Dou outro doce para quem adivinhar o tema!!!