Na semana passada, concedi uma entrevista por telefone sobre a privacidade do e-mail. A pauta do jornalista, desta vez, tinha como foco alguns sistemas gratuitos de correio eletrônico que fazem uma espécie de "leitura dinâmica" das mensagens, para o fim de vender anúncios direcionados. A coisa funciona mais ou menos assim: algum tipo sofisticado de filtro informatizado "pesca" palavras nas suas mensagens, faz associações com produtos e serviços dos anunciantes e, como mágica, inserem propaganda que se relaciona com o assunto ali tratado. Se está falando de automóveis, aparecerá um anúncio de alguma concessionária; se de viagem, aparecerá anúncios de hotéis na cidade ou país mencionados na conversa; se de fotografia, câmeras e outros produtos relacionados dividirão espaço com seu texto; e assim por diante. Fica evidente, portanto, que "algo" está lendo a sua correspondência eletrônica.
Mas o próprio jornalista me adiantou que os "termos de serviço" que regem a contratação destas caixas postais virtuais prevêem expressamente que este tipo de filtro poderá ser feito: é a contrapartida que o internauta oferece à gratuidade do serviço. "Mas ninguém lê" estes contratos, adianta-me o meu interlocutor.
Embora a privacidade seja tema que desperte profundamente o meu interesse e, talvez mais do que o meu interesse, a minha preocupação, não podemos chegar ao ponto de supor que a privacidade seja um bem indisponível. E não é. Assim como, por exemplo, a propriedade, a privacidade é disponível. A propriedade é garantida pelo ordenamento jurídico; assim como a privacidade, a propriedade está protegida na Constituição. Mas podemos doar nossos bens, não podemos? Penso o mesmo da privacidade. Pessoas contam detalhes de sua vida privada em websites, em programas de TV, ou onde mais conseguirem se expor... Tenho profundo desprezo por tudo isso, mas não se pode proibi-las de fazê-lo. Não é ilícito, portanto, aceitar termos de uso de uma caixa postal eletrônica que, sendo gratuita, põe seus grandes olhos automatizados sobre sua correspondência pessoal.
De fato, para aparente espanto do meu entrevistador, disse-lhe que não via qualquer ilegalidade na prática comercial em questão.
O importante, claro, é assegurar que o usuário saiba que isso pode, ou melhor, vai acontecer! Ele, então, é livre para aceitar ou não a contratação deste tipo de serviço. Por alguns poucos reais, pode-se contratar um serviço de correio eletrônico que preserve (na medida do possível... mas essa questão fica para um outro dia!) a privacidade de suas mensagens. Mas pode ser que o internauta não se importe com a bisbilhotice, seja porque mediu o risco e não pretende usar o sistema para mensagens sigilosas ou íntimas, ou seja porque ele é mais um dos que pensam que Big Brother é só o nome de um programa de TV (e morre de vontade de participar dele...).
"Mas o usuário não lê o contrato"... Bem, o mundo está ficando muito sofisticado; se as pessoas não aprenderem a ler o que contratam (e aqui no Brasil, em especial, se não aprenderem a ler e a ENTENDER...) tudo fica muito difícil. A verdade é que é muito difícil defender alguém de si próprio...
2 comentários:
Tem razão. Tem gente sem noção mesmo, que fica se expondo pela net. Fazer o que, né?
É... gente sem noção, se expondo na net.
Referência ao blogueiro, suponho. Essa idéia divertiu-me, gostei, foi um refresco depois de um dia pesado.
A mesma idéia vale para quem posta comentários com indicação de autoria. Realmente, sem noção, falta total de bom senso.
O que muito anônimo não sabe é que ele também está se expondo e é, em geral, facílimo de identificar. Esse fato é que é, de fato, preocupante.
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