Nesta semana, foi divulgado um relatório apontando críticas ao sistema eletrônico de votação brasileiro. Sou um dos que assinam o relatório, integrando o comitê, informalmente criado, que se auto-intitulou Comitê Multidisciplinar Independente, ou CMInd. Trata-se, de fato, de um comitê multidisciplinar, formado por profissionais de diferentes formações e experiências, que se conheceram ao longo dos últimos anos em torno das discussões sobre a urna eletrônica brasileira, e que espontaneamente se reuniram para produzir esse documento. E independente: cada um fala por si, com suas próprias convicções, não expressando nem representando a opinião de qualquer entidade, pública ou privada. A íntegra do relatório (com 105 páginas), está disponível aqui.
Possivelmente, virão os ataques de sempre: "Dinossauros!", "Não entendem nada de tecnologia!", "Querem trazer a fraude de volta!" e por aí vai... Esse costuma ser o nível do argumento que se apresenta contra quem discorda de alguma coisa neste país, especialmente utilizado quando o assunto são as duvidosas opções de uso da tecnologia adotadas pelos entes públicos.
Embora ainda longe de ser simples, a cada dia que passa a tecnologia mais e mais adentra a vida das pessoas, tornando mais fácil desenvolver publicamente um argumento racional e profundo sobre tais questões. Quem sabe agora a sociedade brasileira esteja mais madura para compreender que o modelo de votação eletrônico aqui adotado é inseguro e antidemocrático, e que este relatório possa contribuir para tal reflexão mais do que contribuiu, anos atrás, o chamado "Manifesto dos Professores", de 2003.
Em qualquer país minimamente sério, pensava eu àquele tempo, o Manifesto de 2003 já teria sido um escândalo. Foi assinado por oito professores universitários - alguns Titulares - de algumas das mais respeitadas Universidades do Brasil na área de Tecnologia, alertando sobre a "insegurança do sistema eleitoral informatizado" nacional. Fosse um país de primeiro mundo - o que, em termos civilizatórios e não apenas de crescimento do PIB, ainda estamos muito longe de ser - imagino que tal manifesto estaria nas primeiras páginas dos jornais, ou no horário nobre dos noticiários televisivos. Mal lhe deram bola, nem os agentes públicos, nem a imprensa.
O problema é que a imagem da urna eletrônica foi tão meticulosamente construída neste país que criticá-la é comparável à traição, a um ato lesa-pátria, ou a torcer para a Argentina ganhar a Copa. Incutiu-se no brasileiro a bravata ufanista de que a urna simboliza aquele sonho perdido do Brasil Grande dos 70's, de que "este é um país que vai prá frente, ou, ou, ou, ou ou...". É verdade que usou-se até dinheiro público para fazer propaganda da própria urna - ao invés de transmitir informações úteis ao eleitor. Lembro-me bem, anos atrás, de uma publicidade oficial do TSE em que uma mocinha bonitinha aparecia em uma vinheta exclusivamente para dizer que a urna era "a grande vedete da eleição", ou coisa que o valha... e que era "admirada e utilizada" por diversos países do globo (propaganda inequivocamente enganosa: ou, então, enumerem-se os tais "países").
A realidade nua e crua é a seguinte: nenhuma democracia que conta utiliza ou admira esse nosso modelo de eleição totalmente eletrônica! Há dúzias de textos críticos bastante fundamentados, pelo mundo afora, a esse modelo de eleição totalmente eletrônica. É rarissimo, aliás, encontrar quem ao mesmo tempo o conheça e o defenda... além do corpo técnico do TSE. Pode tentar no Google! Há, definitivamente, uns 99% de brasileiros que amam a urna, sem, contudo, conhecê-la.
Os autores do relatório CMInd, no entanto, podem dizer que a conhecem. Ao menos, na medida máxima que se lhes foi permitido conhecê-la: seis dos dez membros do CMInd atuaram como fiscais do desenvolvimento, especificação e carregamento dos programas da urna eletrônica. Eu incluso, vez que fui indicado como fiscal da OAB junto ao TSE, para a eleição de 2004.
Bem... por hoje é só! O relatório foi divulgado para quem quiser ler. Tentarei escrever mais vezes aqui no blog nos próximos dias, para prosseguir com mais detalhes sobre o tema.
Estes são os verdadeiros patriotas. Cidadãos capazes de criticar e propor soluções aos nossos problemas. Enquanto o TSE esconde a verdade, alguns heróis lutam contra essa vergonha nacional. Parabéns a todos vocês. E acreditem: ainda tenho esperança, afinal, existem pessoas como vocês.
ResponderExcluirwww.fraudeurnaseletronicas.com.br