O vídeo dura 40 minutos.
sábado, 23 de novembro de 2013
Internet e Liberdade de Expressão
Recebi nesta semana o DVD com esta gravação, então disponibilizo aqui a íntegra de minha palestra sobre o tema "Internet e Liberdade de Expressão: aspectos jurídicos e políticos", proferida no dia 26 de setembro de 2013, no VI Congresso Brasileiro da Sociedade da Informação, organizado pelo
Mestrado em Direito da Sociedade da Informação da FMU, em parceria com a
OAB-SP.
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sábado, 4 de maio de 2013
Só os sistemas informáticos judiciários são imunes a falhas?
Adianto que a resposta à pergunta do título é óbvia: é claro que não!
Nenhum sistema informático é imune a falhas. Meu guru predileto nessa área - e creio que seja o de todos que se interessam pelo tema - é Bruce Schneier. Lembro, a propósito desse assunto, de um texto seu que diz que sistemas informáticos precisam "falhar bem". É tolice pensar que não vão falhar, então o foco de atenções deve ser o que fazer para evitar ou minimizar os problemas causados quando eles falharem (e não se falharem... porque vão falhar um dia!).
O Estado brasileiro como um todo vem introduzindo soluções informáticas várias, que sem dúvida representam um avanço desejável, mas que deixam no ar muitas preocupações dessa natureza. Especialmente porque não há muita transparência sobre como as coisas são feitas, deixando dúvidas de várias ordens, dentre as quais sobre sua segurança contra falhas.
Segurança, é bom dizer, é um problema muito mais amplo do que apenas lidar com falhas decorrentes de acidentes ou eventos involuntários. Mas, mesmo quanto a apenas esse primeiro aspecto, desconsiderando portanto os problemas gerados por ataques voluntários (de crackers), há muitas coisas que podem dar errado quando o Poder Judiciário resolve de chofre que todos os processos judiciais estarão online e apenas por canais informáticos será possível se manifestar ou consultar os autos.
Reitero, mais uma vez, este meu velho discurso aqui no blog por conta de um "incidente" recente ocorrido na Prefeitura de São Paulo, amplamente divulgado na imprensa. Pois a Prefeitura desta grande Cidade resolveu informatizar a aprovação de licenças para construções e... o sistema falhou gravemente, a ponto de somente duas autorizações terem sido concedidas ao longo dos seis meses de uso do "sistema". Tiveram que voltar ao modus operandi anterior... em papel!
Aqui em São Paulo, o Poder Judiciário, que eu saiba, já passou ao menos uma vez por essa má experiência. Há alguns anos, a Justiça Federal de São Paulo teve seus dados travados em uma tentativa de migração para um sistema novo e o trem parou no meio do caminho. Nem conseguiam usar o novo sistema, nem voltar para o velho. Com isso, a JF ficou alguns meses sem conseguir distribuir novos feitos, diante da impossibilidade de cadastrá-los em algum sistema. Casos urgentes eram autorizados pelo Juiz Diretor do Fórum e a distribuição aleatória foi feita sabe-se lá como (possivelmente com o retorno das "bolinhas de bingo"). Os processos de rito comum, sem pedidos urgentes, ficaram nas prateleiras, sem distribuição, até que a situação fosse normalizada.
E isso foi fruto apenas de uma falha interna ao sistema judicial.
Quando se fala em informatização judicial, estamos tratando de um sistema que "recebe" usuários externos à máquina pública, que dele fazem uso a partir de redes externas, de todos os locais do país. Não há limites sobre o que possa dar errado em um cenário como esse, não apenas nos sistemas judiciais propriamente ditos, mas na infraestrutura da Internet em geral, ou na localidade onde está o escritório de advocacia (falta de energia elétrica em um bairro ou cidade, por exemplo). Ou problemas no sistema operacional nos computadores do advogado, para falarmos de mais um fato recente e totalmente involuntário. Não me parece justo que alguém perca seus direitos, ou seja condenado como réu revel, porque o Windows 7 (ou outro sistema qualquer que venha a falhar no futuro) de seu advogado resolveu fazer greve no dia de protocolar uma manifestação importante no processo.
Uma falha na Prefeitura engessou parte da economia paulistana, o que já é grave. Uma falha de mesma grandeza nos sistemas informáticos dos tribunais poderá neutralizar um dos Poderes do Estado por tempo indeterminado; ou, parcial o problema, poderá significar prejuízos incalculáveis ao acesso à justiça, ou ao direito material de alguma das partes, caso a falha provoque revelia ou preclusão de algum ato importante do processo.
Não estou, é claro, dizendo que a Justiça não deve se informatizar. Como deixei claro na abertura de meu recente livro - originalmente apresentado em 2010 como tese de livre docência, defendida no ano seguinte - a questão não é se devemos ou não informatizar a Justiça. O problema está em como informatizar. E como regular, normativamente, essa informatização.
Quando se discute essas questões, parte dos responsáveis pela informatização judicial parece simplesmente acreditar em resposta afirmativa à pergunta feita no título. Digo isso porque não se sabe que tipo de salvaguardas existem para que os sistemas judiciais possam "falhar bem" (também processualmente falando). Parece não haver nenhuma... Falo aqui, por ora, de salvaguardas tecnológicas apenas, porque salvaguardas legais, normativas (i.é., regras processuais claras que deem uma solução justa para tais incidentes) eu já sei que inexistem, pois nossa Lei nº 11.419/2006, que regula o chamado "processo eletrônico", é de uma precariedade normativa acachapante.
Além de maior clareza na segurança tecnológica empregada, com a manutenção de canais alternativos de oferecimento de manifestação pela parte, falta-nos regras mais claras sobre restituição de prazos e, até mesmo, um novo olhar sobre prazos e preclusões, evitando tranformar esses eventos em mais questões processuais e, consequentemente, mais recursos. Ou em mais injustiça.
Por exemplo, em caso de perda do prazo regular, por que não impor uma pequena multa - de valor simbólico, apenas para custear o canal alternativo a ser utilizado ou para inibir o uso em escala dessa faculdade - que permita à parte oferecer sua manifestação em até um ou dois dias seguintes, sem precisarmos discutir se houve ou não justa causa? Em a havendo, claro, o valor seria devolvido prontamente!
Enfrentei essa questão no meu citado estudo, inspirado na lei portuguesa que prevê tais multas, e me parece ser uma boa alternativa para contornar os muitos problemas que a informatização certamente vai trazer. A não ser que nosso amor pelas preclusões (e por limpar as mesas dos tribunais sem precisar julgar a lide...) seja maior do que nosso ideal de fazer justiça no caso concreto...
Queremos um processo que julgue o direito material que as partes têm, ou que decida a lide em função de eventos processuais (ou informáticos) puramente aleatórios?
Nenhum sistema informático é imune a falhas. Meu guru predileto nessa área - e creio que seja o de todos que se interessam pelo tema - é Bruce Schneier. Lembro, a propósito desse assunto, de um texto seu que diz que sistemas informáticos precisam "falhar bem". É tolice pensar que não vão falhar, então o foco de atenções deve ser o que fazer para evitar ou minimizar os problemas causados quando eles falharem (e não se falharem... porque vão falhar um dia!).
O Estado brasileiro como um todo vem introduzindo soluções informáticas várias, que sem dúvida representam um avanço desejável, mas que deixam no ar muitas preocupações dessa natureza. Especialmente porque não há muita transparência sobre como as coisas são feitas, deixando dúvidas de várias ordens, dentre as quais sobre sua segurança contra falhas.
Segurança, é bom dizer, é um problema muito mais amplo do que apenas lidar com falhas decorrentes de acidentes ou eventos involuntários. Mas, mesmo quanto a apenas esse primeiro aspecto, desconsiderando portanto os problemas gerados por ataques voluntários (de crackers), há muitas coisas que podem dar errado quando o Poder Judiciário resolve de chofre que todos os processos judiciais estarão online e apenas por canais informáticos será possível se manifestar ou consultar os autos.
Reitero, mais uma vez, este meu velho discurso aqui no blog por conta de um "incidente" recente ocorrido na Prefeitura de São Paulo, amplamente divulgado na imprensa. Pois a Prefeitura desta grande Cidade resolveu informatizar a aprovação de licenças para construções e... o sistema falhou gravemente, a ponto de somente duas autorizações terem sido concedidas ao longo dos seis meses de uso do "sistema". Tiveram que voltar ao modus operandi anterior... em papel!
Aqui em São Paulo, o Poder Judiciário, que eu saiba, já passou ao menos uma vez por essa má experiência. Há alguns anos, a Justiça Federal de São Paulo teve seus dados travados em uma tentativa de migração para um sistema novo e o trem parou no meio do caminho. Nem conseguiam usar o novo sistema, nem voltar para o velho. Com isso, a JF ficou alguns meses sem conseguir distribuir novos feitos, diante da impossibilidade de cadastrá-los em algum sistema. Casos urgentes eram autorizados pelo Juiz Diretor do Fórum e a distribuição aleatória foi feita sabe-se lá como (possivelmente com o retorno das "bolinhas de bingo"). Os processos de rito comum, sem pedidos urgentes, ficaram nas prateleiras, sem distribuição, até que a situação fosse normalizada.
E isso foi fruto apenas de uma falha interna ao sistema judicial.
Quando se fala em informatização judicial, estamos tratando de um sistema que "recebe" usuários externos à máquina pública, que dele fazem uso a partir de redes externas, de todos os locais do país. Não há limites sobre o que possa dar errado em um cenário como esse, não apenas nos sistemas judiciais propriamente ditos, mas na infraestrutura da Internet em geral, ou na localidade onde está o escritório de advocacia (falta de energia elétrica em um bairro ou cidade, por exemplo). Ou problemas no sistema operacional nos computadores do advogado, para falarmos de mais um fato recente e totalmente involuntário. Não me parece justo que alguém perca seus direitos, ou seja condenado como réu revel, porque o Windows 7 (ou outro sistema qualquer que venha a falhar no futuro) de seu advogado resolveu fazer greve no dia de protocolar uma manifestação importante no processo.
Uma falha na Prefeitura engessou parte da economia paulistana, o que já é grave. Uma falha de mesma grandeza nos sistemas informáticos dos tribunais poderá neutralizar um dos Poderes do Estado por tempo indeterminado; ou, parcial o problema, poderá significar prejuízos incalculáveis ao acesso à justiça, ou ao direito material de alguma das partes, caso a falha provoque revelia ou preclusão de algum ato importante do processo.
Não estou, é claro, dizendo que a Justiça não deve se informatizar. Como deixei claro na abertura de meu recente livro - originalmente apresentado em 2010 como tese de livre docência, defendida no ano seguinte - a questão não é se devemos ou não informatizar a Justiça. O problema está em como informatizar. E como regular, normativamente, essa informatização.
Quando se discute essas questões, parte dos responsáveis pela informatização judicial parece simplesmente acreditar em resposta afirmativa à pergunta feita no título. Digo isso porque não se sabe que tipo de salvaguardas existem para que os sistemas judiciais possam "falhar bem" (também processualmente falando). Parece não haver nenhuma... Falo aqui, por ora, de salvaguardas tecnológicas apenas, porque salvaguardas legais, normativas (i.é., regras processuais claras que deem uma solução justa para tais incidentes) eu já sei que inexistem, pois nossa Lei nº 11.419/2006, que regula o chamado "processo eletrônico", é de uma precariedade normativa acachapante.
Além de maior clareza na segurança tecnológica empregada, com a manutenção de canais alternativos de oferecimento de manifestação pela parte, falta-nos regras mais claras sobre restituição de prazos e, até mesmo, um novo olhar sobre prazos e preclusões, evitando tranformar esses eventos em mais questões processuais e, consequentemente, mais recursos. Ou em mais injustiça.
Por exemplo, em caso de perda do prazo regular, por que não impor uma pequena multa - de valor simbólico, apenas para custear o canal alternativo a ser utilizado ou para inibir o uso em escala dessa faculdade - que permita à parte oferecer sua manifestação em até um ou dois dias seguintes, sem precisarmos discutir se houve ou não justa causa? Em a havendo, claro, o valor seria devolvido prontamente!
Enfrentei essa questão no meu citado estudo, inspirado na lei portuguesa que prevê tais multas, e me parece ser uma boa alternativa para contornar os muitos problemas que a informatização certamente vai trazer. A não ser que nosso amor pelas preclusões (e por limpar as mesas dos tribunais sem precisar julgar a lide...) seja maior do que nosso ideal de fazer justiça no caso concreto...
Queremos um processo que julgue o direito material que as partes têm, ou que decida a lide em função de eventos processuais (ou informáticos) puramente aleatórios?
segunda-feira, 25 de março de 2013
Será o fim do papel? (3ª parte - FINAL)
No
segundo texto desta série, argumentei
que o papel sobrevive nos jornais e revistas de
notícias, bem como nos livros, tão somente pela falta de um modelo
de negócio viável. Jornais e revistas estão em passo mais
adiantado na migração
para um novo ambiente totalmente digital, pois
o livro em papel encerra
outras dificuldades práticas:
a preocupação com a proteção do conteúdo autoral contra
reprodução indevida é muito mais crítica
do que a dos noticiosos.
Por
outro lado, a tecnologia
desenvolvida
para impedir a cópia
ilegal do livro digital
(conhecida pela sigla DRM)
costuma
tornar o
produto desinteressante ao leitor, por ser
demasiadamente restritiva.
Além
dos exemplos que dei no post anterior, acrescento que, há mais de uma década, tive
uma má experiência nesse sentido, quando comprei
um conhecido dicionário em formato digital.
O
uso do dicionário
eletrônico, sem
dúvida, proporcionava
uma experiência muitíssimo mais
rica do que a
da versão
em papel, dadas as múltiplas formas de pesquisa
que eram oferecidas.
Minha alegria acabou quando fiz upgrade
do meu sistema operacional, pois o dicionário já não era
compatível com a nova
versão, justamente
por causa da DRM nele
implementada. Foi,
então,
lançada em seguida uma
nova versão do dicionário,
compatível com a versão
mais atual do
sistema operacional. Bem...
sendo assim, fiz
contato com a editora e
perguntei se teria direito a um upgrade,
a preços reduzidos, já que
havia comprado a versão anterior, agora obsoleta.
E a
resposta foi negativa. Se
quisesse continuar a utilizar
o dicionário eletrônico no novo sistema operacional, a
única opção seria pagar
novamente o seu preço integral, adquirindo
o novo produto (o
que eu reincidentemente
fiz... e viria mais tarde
a perder o uso dele
quando passei a usar sistemas
Linux).
Ora,
pensei então, o
dicionário em papel – que à época era mais
barato do que o software
– ainda estaria disponível na
minha estante...
Com
o avanço
da
Internet,
no entanto,
novas opções surgiram
para o oferecimento
de livros
digitais,
criando um ambiente adequado
ao desenvolvimento
de produtos mais aceitáveis
do que um
software que fique
vinculado a um único computador, ou
a uma determinada
versão de
sistema operacional.
Surgiram
nos últimos anos –
inicialmente apenas no
mercado externo, mas
aos poucos aportando no
Brasil –
algumas novidades
bem interessantes: a venda de
exemplares digitais, com proteção ao conteúdo obtida mediante o
uso de dispositivos específicos
de leitura, os e-readers,
ou leitores eletrônicos.
E
tal
modelo, fortemente calcado nas possibilidades trazidas pela Internet,
parece ser algo muito mais palatável do ponto de vista do leitor,
pois praticamente simula algumas das práticas que o livro em papel
permitiria a ele.
A
vertiginosa queda do custo de produção de computadores portáteis
(basta lembrar
que um notebook básico
custava mais de 5 mil reais há cerca de seis
anos) é o que permitiu a criação desse novo modelo. Um
aparelho eletrônico de leitura, capaz de armazenar milhares de
volumes,
já é vendido a
preços comparáveis aos de
um
livro um pouco
mais caro.
Assim,
basta comprar
um
pequeno aparelho, dotado de
conexão à Internet, e nele ler
os livros adquiridos
nas lojas virtuais. Há
razoável concorrência entre algumas grandes empresas que adentraram
este
mercado de livros digitais,
cada qual com seu aparelhinho: a Amazon, maior livraria virtual do
mundo, com o pioneiro Kindle, lançado no mercado
norte-americano em 2007, e que em dezembro do ano passado finalmente chegou ao Brasil; a Barnes &
Noble, outro livreiro gigante, lançou o Nook; há
o canadense
Kobo, também
recém chegado ao
mercado brasileiro com a
oferta de obras nacionais em parceria com a Livraria Cultura;
a Sony lançou o Reader; e ainda existem
o JetBook e o Pocketbook; a
gigante empresa
de Internet,
Google, por sua vez, oferece livros digitais
na sua loja Google Play, que podem ser lidos em dispositivos com o
seu sistema
Android, ou em um computador
PC, usando o navegador.
Não
adquiri, claro, esses aparelhos todos, mas até onde pude me informar
há entre eles um modelo de negócio bastante semelhante. O
que falo a seguir é fruto de minha experiência específica
com o Google Play e, mais
profundamente,
com o Kindle, da Amazon, mas creio que em linhas gerais se aplique
aos demais.
Os
livros adquiridos ficam na “nuvem” (tradução
do termo
inglês “cloud”,
terminologia do mundo da
informática que tem sido
empregada para designar o armazenamento de dados ou o oferecimento de
aplicativos –
editores de texto, por exemplo –
que ficam hospedados em
servidores de Internet e podem ser utilizados pelo cliente a partir
de qualquer computador a ela
conectado). Isto
é, os livros ficam
armazenados em uma conta
pessoal mantida
nos computadores da livraria virtual
e podem
ser baixados
quando necessário
para seus aparelhos
eletrônicos de leitura,
ou eventualmente para o próprio
PC, mediante
o uso de softwares
específicos de leitura e gerenciamento de sua moderna “biblioteca”.
Com
isso, há um certo controle a evitar a contrafação das obras (o
arquivo baixado está protegido com tecnologias DRM),
mas ao mesmo tempo oferece-se ao comprador um padrão de uso mais
próximo daquele
do livro em papel.
A
Amazon, por exemplo, permite vincular até sete
dispositivos a uma mesma
conta do
usuário, que pode por si,
mediante acesso ao sistema de gerenciamento disponível pelo site,
desconectar ou conectar
aparelhos.
Isso significa dizer que, ao comprar um livro, poderei lê-lo tanto
no meu Kindle como em meu PC doméstico,
ou no
do escritório, ou, ainda, em
um outro Kindle de minha esposa ou de
meus filhos. Ora, se tenho
dez
livros na estante e pego um deles
para ler, minha família não estaria impedida de ler os
outros nove...
Então, se
comprei vários
livros eletrônicos, enquanto leio um no meu Kindle, os meus filhos
podem simultaneamente
ler outros nos seus próprios dispositivos, ou no PC.
Além
disso, o que me pareceu
bastante convidativo, os
livros também podem ser lidos em outros dispositivos móveis, pois
há aplicativos de leitura gratuitos para os sistemas operacionais da
Apple (para iPhone ou iPad) ou para os sistemas Android, presentes em
diversas marcas de tablets
ou celulares. Noutras
palavras, para ler edições Kindle, nem
sequer é necessário
adquirir um aparelho Kindle!
Ou,
ainda, em um desktop
ou notebook padrão também é possível ler os livros, usando um
aplicativo para PC (disponível para Windows ou Mac), ou simplesmente
usando seu navegador (o que
permite a leitura também em
plataforma Linux!)
por meio do link
http://read.amazon.com e
entrando
no sistema com seu login e sua senha.
Outra
interessante comparação: em
uma livraria, é comum tirarmos livros da estante, folheá-los, ler
pedacinhos do texto, ou
examinarmos
o índice. Se interessar, compramos.
Também isso é possível nesse
novo modelo eletrônico, só
que remotamente: dá
para pedir
uma amostra grátis,
que apresenta apenas
uma
parte inicial do livro, que é
do mesmo modo instalada nos
leitores eletrônicos. Podemos, então, conhecer um pouco mais a
obra, antes de decidir se vale a pena comprá-la.
Parece-me, então, que tais modelos de venda são
bastante razoáveis, porque não inibem o leitor de fazer um fair
use dos livros pelos quais pagou, de modo muito próximo do que
faria se tivesse adquirido livros físicos.
Há,
no entanto, quem diga que não há experiência melhor do que ler
um livro em papel. É
mais agradável aos olhos. É bom folheá-lo,
senti-lo... alguns românticos dizem gostar até do cheiro do papel
(certamente não devem saber o que é ser alérgico à
poeira...). O
que posso retrucar, em
resposta a essas pessoas?
Nada! Argumentos racionais são passíveis de discussão; paixões ou
gostos pessoais, não.
Pois
eu já estou tão viciado
em bugigangas
eletrônicas, que prefiro ler
nas telinhas (ou
nas grandes,
dos desktops)
tudo o que for possível:
documentos
que clientes
me enviam por
e-mail, monografias de alunos
(há anos que não recebo textos em papel de meus orientados, e
lhes devolvo minhas obervações também em formato digital,
eliminando impressões),
minhas próprias petições judiciais, jurisprudência, notícias...
e, nos últimos dias, estou
lendo livros nas plataformas que mencionei aqui.
Aos recalcitrantes –
acreditem! – o
papel não é tão melhor assim de ler,
isso é só uma questão de
costume. Costume esse
que as novas gerações estão modificando
sem pestanejar.
Nos
últimos anos, tenho notado
o crescente número de alunos que comparecem às aulas não com
Códigos, nem carregando um pesado Vade Mecum,
mas com notebooks e,
mais recentemente, com tablets
ou telefones
celulares.
Em tese, pode-se levar
a legislação inteira do país em um moderno smartphone. E
também usam os aparelhos para fazer anotações de aula. O
caderno, para parte dessa
nova geração,
já acabou!
Da
soma desses fatores (diria eu, especialmente porque o modelo é justo
para com o leitor!), as
vendas de livros eletrônicos
têm atingido
surpreendentes estatísticas.
Segundo foi
noticiado em janeiro de 2011, desde os três últimos meses de 2010 a Amazon
norte-americana passou a vender mais livros digitais do que em papel.
O Kindle foi lançado em 2007; bastaram, portanto,
três anos para as edições eletrônicas superarem as vendas dos
livros tradicionais. E isso
se repetiu em seguida na
filial do Reino Unido, onde o Kindle foi lançado em outubro de 2009:
em meados de 2012, as vendas em formato digital superaram a dos livros físicos.
Vencido
o desinteresse dos leitores, e criado um modelo de negócio viável
para todas as partes envolvidas, ouso dizer mais uma vez que em todos
os demais aspectos o formato eletrônico supera largamente o
tradicional, desde os argumentos, digamos, “ecológicos”,
relacionados à produção, transporte e descarte final do papel,
como os relacionados à eficiência do modelo. Assim que comprarem um
livro pela Internet, de sua casa ou escritório, a qualquer hora do
dia ou da noite e, segundos depois, puderem vê-lo presente no seu
mágico aparelhinho de leitura, entenderão do que estou falando.
E,
do ponto de vista do autor, a publicação em livros eletrônicos
reduz drasticamente o tempo de espera para que sua obra atinja o
público, pois a velocidade obtida no universo dos bits é,
nesse aspecto, algo insuperável: em tese, pronto e enviado o arquivo
final, o livro poderá estar disponível à venda quase que imediatamente, em
todo o mundo.
Encerro
aqui esta sequência de três pequenos textos. Não foi meu objetivo
convencer ninguém das vantagens deste ou daquele outro modelo, mas
sim apresentar-lhes as informações que obtive e consequentes
reflexões que desenvolvi nas últimas semanas, em que resolvi
“brincar” um pouco com as opções de livro digital e ver como as
coisas se encontram atualmente neste campo.
Posso
ao menos dizer que, a mim, a elaboração e divulgação desses três
pequenos textos serviram para discutir o assunto, seja on line
ou pessoalmente, com meus relacionamentos profissionais e de amizade,
o que foi importante para, juntamente com o material que levantei,
ajudar na formação de minhas ideias sobre o assunto e na tomada de
algumas decisões pessoais.
sexta-feira, 22 de março de 2013
Será o fim do papel? (2ª Parte)
Terminei
o post anterior
com a afirmação de que há um campo em que o papel ainda parece
resistir bravamente: a publicação de livros. E deixei a pergunta
final: continuaremos a ler livros em papel?
Diferentemente do setor jornalístico, que, como se
sabe, obtém receita pela publicidade, publicações autorais
dependem da venda de exemplares.
Para
o modelo de negócios
do setor jornalístico, portanto, parece
mais fácil encontrar guarida na Internet ou em
outros formatos
digitais. Isso porque a preocupação com a proteção do conteúdo
não é algo
tão relevante.
Afinal, notícias ficam velhas logo. Ser capaz de vender jornais e
revistas é importante para que o anunciante saiba qual o público
que conseguirá atingir com a propaganda
neles
veiculada. Nos
dias seguintes, aquele material todo já
não tem muito
valor
para a empresa de notícias (como
também para o leitor!): a
receita virá dos anúncios feitos nas
edições seguintes.
No
ambiente literário, entretanto, as
coisas são diferentes.
Autores, seus editores e o restante da cadeia econômica, que inclui
distribuidores e livrarias, são remunerados pela venda dos
exemplares dos livros, que,
por sua vez, são produtos de utilidade muito mais duradoura do que
jornais.
De
certo modo, assim como para o mundo das notícias, o livro em papel
ainda não morreu por dois motivos: o hábito inercial
dos leitores e a falta de um modelo de negócio sustentável.
Igualmente, se pensada apenas
a eficiência da
distribuição (como me
referi no post
anterior), o papel será
surrado pelo meio eletrônico.
Por
várias vezes na
última
década,
no ambiente acadêmico, sustentei entre meus pares que já não havia
sentido publicar
revistas científicas em papel, a menos que houvesse ali alguma
finalidade
econômica.
Instituições de ensino que apenas desejam divulgar sua produção
científica – e invariavelmente costumam
distribuir
de graça, ou a preço de
custo, os
seus periódicos – não têm
qualquer razão para continuar
a publicar revistas em papel.
A Internet permite reduzir o
custo da publicação
e ao mesmo tempo atingir um universo ilimitado de leitores, que
podem localizar os artigos a
partir das populares
ferramentas de busca,
vantagens
que a restrita edição em papel jamais proporcionaria.
Quando,
porém, a publicação de um livro ou revista de
artigos é
motivada por interesses também
econômicos,
tanto
de
seu autor como
do
restante da cadeia econômica
correlata, o meio digital
ainda parece ser um assustador pântano de dificuldades práticas.
O
problema da migração para o livro digital reside na facilidade de
replicação dos arquivos gerados
nesse
formato.
O papel atua, no
caso dos livros,
não apenas como um mero suporte para
transmissão da palavra: é também uma forma de controle
e proteção sobre o
produto econômico. Além,
claro, da proteção legal aos direitos autorais, a
reprodução ilícita de um livro sempre
enfrentou
outros óbices práticos que
ajudavam
a inibi-la: o custo da
fotocópia em papel e
a pior qualidade do resultado final. Melhor
pagar por um livro do que por uma horrível resma de papel borrado e
torto...
Há
cerca de vinte
anos, quando gravadores de CDs tinham custos proibitivos (se minha
memória não me trai, quando foram lançados no Brasil custavam mais
de 2 mil dólares) e
os também
caros discos rígidos dos
computadores pessoais tinham
capacidade em torno de uns
100 Mb (menos de um sexto da
capacidade de um CD), a
publicação de revistas
de jurisprudência
em CD-ROM
pareceu ser um porto seguro para
o editor. Lembro-me
de ter adquirido duas ou três revistas neste formato, que já
apresentavam largas vantagens sobre o papel, especialmente por
não ocuparem
prateleiras inteiras: uma
centena de revistas do STJ cabia num pequeno disco de plástico!
Claro, nos dias de hoje a
distribuição de livros em um CD comum
já
não representa qualquer proteção física para o editor.
Surgiram
então, as tecnologias DRM (Digital Rights Management,
ou Gerenciamento Digital de Direitos): técnicas que procuram impedir
a duplicação de conteúdo digital. São
tecnologias controvertidas, que enfrentam vigorosa oposição. Mas,
à parte esta questão de
cunho mais propriamente político, sem dúvida parece ser necessário
encontrar um ponto de equilíbrio
na proteção autoral de conteúdo digital.
O
problema prático de algumas tecnologias DRM, especialmente as
primeiras que surgiram, é que elas tornavam o livro digital um
produto muito menos desejável do que o livro em papel. Apoiando-me
apenas no que minha lembrança permitir (nem
faço ideia de como recuperar essas informações perdidas
no tempo, senão pela minha
memória e a dos amigos leitores que
quiserem colaborar...),
recordo-me de ter visto ao
longo dos anos alguns
produtos com proteções tão complexas e restritivas
que não despertei por eles o mesmo interesse que tive, por exemplo,
em comprar a Revista do STJ em
CDs, em meados
dos anos 90.
Via
de regra, os produtos eram registrados com códigos que os vinculavam
a especificações de hardware de um
determinado
computador. Lembro-me
até de um produto – só não consigo rememorar qual foi – que
ainda
vinha acompanhado de um pequeno aparelho a ser conectado na porta
serial (ou
seria
na porta paralela?)
do computador. O problema é que tais mecanismos não só impediam o
uso do produto em outro computador também seu,
como ainda causariam problemas quando da substituição ou manutenção
daquele computador em
que os livros ou revistas
foram instalados. Se fosse necessário substituir o disco rígido,
por exemplo, isso invalidaria
o produto instalado... Um
livro em papel, convenhamos, nos oferecia maiores possibilidades de
uso.
Eram tempos pré-Internet...
A
popularização da Internet e, especialmente, a sua
constante melhoria de
qualidade e velocidade da
conexão, aliada à
proliferação de dispositivos móveis
capazes de acessá-la, parece abrir finalmente um campo promissor
para modelos de negócio que consigam contrabalancear de
modo mais equânime os dois
interesses em jogo: a proteção do conteúdo e os direitos do leitor
que adquiriu justamente um exemplar da
obra. Sem
isso, não haverá produtos viáveis, seja porque os
leitores
não se interessarão
por eles, seja porque ficará
comprometida a receita do
autor.
A tecnologia tem buscado novos caminhos. Retomei meu
interesse pelo tema neste início do ano de 2013 e tentei conhecer um
pouco mais as novas opções disponíveis.
Estou
tentado a afirmar que o livro
em papel começou a morrer.
Continuo
no próximo post.
segunda-feira, 18 de março de 2013
Será o fim do papel?
De
alguma forma, tenho feito esta pergunta a mim mesmo ao longo dos
últimos 15 anos, desde que escrevi o artigo “O documento
eletrônico como meio de prova” (que, aliás, foi originalmente
publicado on line em 1998; somente em 1999, uma versão com
ligeiros acréscimos seria publicada em papel na Revista de Direito
Imobiliário).
Desde
então, meu
principal interesse
acerca desse assunto
sempre orbitou
em torno de
seus aspectos jurídicos:
papéis
que servem como instrumentos,
ou como prova de atos
e fatos jurídicos, poderiam
ser substituídos por arquivos de computador?
Ou, ainda,
autos judiciais poderiam ser
digitais? Estes
novos fenômenos estão hoje nos alcançando, embora eu ainda
considere que esta seja a
fronteira mais difícil para a utilização
dos meios digitais no
lugar do velho papel,
especialmente diante das muitas questões culturais ou
ligadas à segurança –
estas nem sempre bem
compreendidas –
que estão envolvidas
nessa
mudança. Mas
já escrevi longas linhas
sobre esse assunto e não é minha
intenção, neste
breve texto, resumir todos os aspectos envolvidos.
Ocorre
que, por vezes, aquele
esforço com que este advogado
e professor de Direito
Processual
tenta abordar assuntos técnico-jurídicos ligados à Informática
cede espaço às tentadoras
especulações sobre aspectos políticos, sociais, econômicos e
culturais desta
nossa nova sociedade da informação, temas
diante dos quais eu talvez
não seja
mais do que um simples curioso. Nada
como escrever em um blog,
para podermos externar as nossas mais
despreocupadas reflexões!
Como
depois ressaltei em escritos posteriores, o fenômeno que prefiro
chamar de “substituição do papel” é anterior ao
desenvolvimento da Informática e ao aparecimento da Internet.
Suportes físicos de fácil mobilidade como o papel e seus
antecessores, o papiro e o pergaminho, foram por milênios o mais
eficiente meio de fixar e transmitir a informação. Com o avanço
tecnológico dos últimos dois séculos, o papel começou a ser
substituído por meios intangíveis de transmissão da informação:
vieram o telégrafo, o telefone, o rádio e a TV.
A
correspondência epistolar e os jornais noticiosos começaram, então,
a enfrentar a concorrência desses novos meios, que se afirmaram
amplamente em nossa sociedade moderna. O uso de cartas na comunicação
interpessoal perdeu sua primazia para o telefone. Mas o papel não
desapareceu. Como veículo de notícias, mesmo diante dos seus novos
concorrentes, encontrou seu espaço ao lado do rádio e da TV. Se
estas levaram vantagem pelo imediatismo e pelo impacto que causam a
voz falada e as imagens em movimento, as palavras escritas de jornais
e revistas ainda resistiram pelo oferecimento de maior profundidade,
pela sua portabilidade e, também, pela longevidade da fixação da
informação, que pode ser arquivada para futura releitura.
Mas
aí chegou a Internet...
Todos
os veículos de notícia foram aos poucos criando as suas versões on
line. Creio que não haja um só noticioso, seja da imprensa
escrita ou falada, que hoje já não esteja presente na Grande Rede,
ainda que nem sempre apresentando versões integrais de suas
notícias.
Jornais
e revistas em papel continuarão a existir?
Tomei
uma posição pessoal e definitiva sobre essa pergunta há uns dois
anos. Um erro da operadora de cartão de crédito, ou da própria
própria empresa jornalística – nunca soube bem ao certo o que
sucedeu – fez com que minha assinatura de jornal fosse
acidentalmente cancelada. Lia esse jornal desde a infância, pois meu
pai já o assinava. Adulto, segui com o hábito.
Certo
dia, porém, sentindo falta do jornal, telefonei para o atendimento
ao assinante, para perguntar o que tinha acontecido. E ouvi em
resposta que o corte ocorrera havia quatro meses, por
falta de pagamento! Por um instante, ainda ao telefone, fiquei mudo;
em seguida, refletindo melhor, notei que deveria fazer muito mais
de quatro meses que eu já não lia notícias no exemplar em papel...
Ele provavelmente só era usado para embrulhar o lixo, se tanto.
Perguntei apenas se eu devia algo e decidi deixar as coisas como
estavam.
Sob
todos os aspectos relacionados à eficiência, no mundo da
notícia não há concorrência possível do papel com os meios
digitais. O papel perde em todos eles. A Internet é ainda mais ágil
e instantânea do que o rádio e a TV; dispensável se mostra
compará-la com exemplares diários ou semanais. Jornais on line
tornaram-se portáveis
como o papel, diante da “onda”
dos telefones
celulares, tablets ou
outros dispositivos móveis já
existentes ou a inventar. O
jornal em papel precisa ser transportado
até a cidade do leitor,
enquanto
a Internet está em praticamente todo o planeta.
E é
possível, se
necessário, dar
mais profundidade ao
texto do que em
publicações em papel, pois veículos
digitais não sofrem
restrições
de espaço para encaixar a
matéria na apertada
diagramação.
Jornais
e revistas em papel ainda não acabaram por dois motivos. O
primeiro deles é que há
leitores inerciais (por mero hábito romântico,
ou por resistência
à tecnologia) e, enquanto
houver procura, haverá oferta.
O outro, mais
determinante, é
a falta de um modelo
empresarial comprovadamente
sustentável para
o jornal digital. De algum
modo, ambos serão
superados e
isso é
somente
uma questão de tempo. Quanto
ao segundo aspecto, é
possível afirmar que
encontrar o modelo sustentável no
momento certo
é o que determinará a
seleção das empresas de notícias
que continuarão a existir no futuro. Por
enquanto, todas elas estão fazendo suas experiências e apenas
flertando com o novo
paradigma, na tentativa de
conhecer melhor um futuro que certamente chegará.
Mas
o que realmente
me animou
a refletir sobre
a pergunta do título é notar que
há um outro campo em que o papel ainda parece reinar com larga
folga: o do mercado
editorial.
O livro eletrônico já não é novidade, mas o papel,
aqui, ainda parece resistir com tenacidade ao avanço da tecnologia.
Continuaremos ainda a ler livros em papel?
Deixo
essa questão para o
próximo post.
sábado, 16 de março de 2013
Dedos de silicone e a violação do INFOSEG: os limites da segurança informática.
"If you think technology can solve your security problems, then you don’t understand the problems and you don’t understand technology” ("Se você pensa que a tecnologia pode resolver os seus problemas de segurança, então você não entende os problemas nem entende a tecnologia", em minha tradução livre).
Não encontro melhor maneira de iniciar este texto, senão citando, pela enésima vez (já está se tornando uma das citações que faço com mais frequência!) essa frase de Bruce Schneier. Os gestores de informática (especialmente do setor público de nosso país) e nossos legisladores deveriam mandar enquadrá-la e pendurá-la na parede de seus gabinetes. Ou repeti-la, como um mantra, todas as manhãs, durante o café.
As notícias publicadas nos últimos dias, como salientei no título deste post, são mais dois exemplos do inegável acerto da mensagem de Schneier, que se somam aos muitos e muitos exemplos de outras ocorrências do nosso passado recente (e isso é tema recorrente aqui no blog, como tratado neste texto de 2010 cuja leitura lhes indico).
O uso de dedos de silicone por uma médica do SAMU para marcar o ponto de colegas ausentes foi até motivo de piadas e charges nas redes sociais, de tão burlesca que foi a fraude. O uso da biometria costuma inspirar nos desavisados uma falsa sensação de segurança. Não que a biometria não seja uma tecnologia interessante... O problema é que a biometria não é uma panacéia geral, algo que possa ser usado em quaisquer circunstâncias e para quaisquer fins, e isoladamente de outros mecanismos de proteção e repressão. O uso remoto de identificação biométrica, por redes como a Internet, por exemplo, é algo que beira a tolice.
Mesmo em ambientes adequados, em que a identificação biométrica é feita presencialmente, ainda assim esta técnica não é nada mais do que um dos elos de uma corrente de segurança. A biometria por impressões digitais (que o TSE também começou a utilizar) já foi comprovadamente violada por "atalhos" como esse, utilizado pela médica do SAMU. O que o fato traz de "novidade", é que os meios de executar esta fraude já estão largamente "popularizados".
Mas mesmo que o ponto eletrônico utilizasse outros elementos biométricos mais difíceis de simular com objetos inanimados (mapeamento de vasos sanguíneos ou da retina, por exemplo), de nada adiantaria a mais moderna tecnologia se, à falta de outros controles, o funcionário puder, por exemplo, "bater o ponto" e voltar para casa. A tecnologia só lhe causaria o desconforto de ir até lá. Ou se o restante do sistema, a base de dados gerada, ou a resposta (esta necessariamente uma tarefa humana) a esses dados não forem eficientes, o ponto biométrico será inútil...
A outra má notícia (o link aponta para a primeira da série de matérias diárias produzidas nesta semana que passou, pelo SBT) retrata o lado perverso da formação de bases de dados com cadastros populacionais. Pode-se dizer que alguns têm (e creio que não seja apenas no Brasil) uma verdadeira tara por cadastrar a tudo e a todos, como se a formação de imensas bases de dados pessoais fossem servir, por si só, para propiciar alguma segurança. E como se não pudessem também ser usadas para o mal.
Aliás, desconfio que seu potencial uso para o mal é algo que tende a superar a sua finalidade desejável. Não é à toa que os limites à formação de cadastros populacionais são objeto de rigorosa legislação nos países da Europa. As más experiências do Velho Continente devem tê-lo levado a isso.
Pois a citada reportagem aponta que crackers estão vendendo, por 2 mil reais, senhas de acesso ao sistema INFOSEG, um megacadastro populacional do Ministério da Justiça, criado com o objetivo de combater a criminalidade. Criminosos compram esse acesso e usam os dados para praticar dezenas de golpes variados, de falsa abertura de contas bancárias a "esquentar" veículos roubados com dados verdadeiros. É um escândalo (digo, para padrões civilizados, pois aqui no Brasil já nada mais escandaliza...)!
Pelos detalhes divulgados no jornal televisivo, não apenas as senhas foram fornecidas, mas o cracker também logrou instalar alguma espécie de módulo de segurança no computador dos jornalistas que conduziam a reportagem. Possivelmente, usou-se desse recurso no sistema INFOSEG para impedir que computadores estranhos aos órgãos de segurança pudessem acessar os dados (não se deu mais detalhes, mas arriscaria dizer que deve ser algo como um desses "módulos de segurança" em javascript usados em internet banking).
Como se vê, a tecnologia não foi capaz de impedir um cracker (seria mesmo um invasor de sistemas ou um criminoso interno ao INFOSEG?) de conseguir algumas senhas e de levar para casa todos os módulos de segurança que deveriam restringir o acesso indevido ao sistema (mais uma salva de palmas a Schneier!).
O que realmente causa espécie, como já salientado neste outro post aqui do blog, é como se pode distribuir amplamente as senhas de um sistema como esse, que guarda dados sensíveis de toda a população. Os jornalistas apuraram que a senha "vendida" pertencia, ou deveria pertencer, a um Policial Militar de Alagoas. Parece muito óbvio que, independentemente de falhas ou de ataques externos, um sigilo compartilhado entre milhares de pessoas já não é mais um segredo.
Não encontro melhor maneira de iniciar este texto, senão citando, pela enésima vez (já está se tornando uma das citações que faço com mais frequência!) essa frase de Bruce Schneier. Os gestores de informática (especialmente do setor público de nosso país) e nossos legisladores deveriam mandar enquadrá-la e pendurá-la na parede de seus gabinetes. Ou repeti-la, como um mantra, todas as manhãs, durante o café.
As notícias publicadas nos últimos dias, como salientei no título deste post, são mais dois exemplos do inegável acerto da mensagem de Schneier, que se somam aos muitos e muitos exemplos de outras ocorrências do nosso passado recente (e isso é tema recorrente aqui no blog, como tratado neste texto de 2010 cuja leitura lhes indico).
O uso de dedos de silicone por uma médica do SAMU para marcar o ponto de colegas ausentes foi até motivo de piadas e charges nas redes sociais, de tão burlesca que foi a fraude. O uso da biometria costuma inspirar nos desavisados uma falsa sensação de segurança. Não que a biometria não seja uma tecnologia interessante... O problema é que a biometria não é uma panacéia geral, algo que possa ser usado em quaisquer circunstâncias e para quaisquer fins, e isoladamente de outros mecanismos de proteção e repressão. O uso remoto de identificação biométrica, por redes como a Internet, por exemplo, é algo que beira a tolice.
Mesmo em ambientes adequados, em que a identificação biométrica é feita presencialmente, ainda assim esta técnica não é nada mais do que um dos elos de uma corrente de segurança. A biometria por impressões digitais (que o TSE também começou a utilizar) já foi comprovadamente violada por "atalhos" como esse, utilizado pela médica do SAMU. O que o fato traz de "novidade", é que os meios de executar esta fraude já estão largamente "popularizados".
Mas mesmo que o ponto eletrônico utilizasse outros elementos biométricos mais difíceis de simular com objetos inanimados (mapeamento de vasos sanguíneos ou da retina, por exemplo), de nada adiantaria a mais moderna tecnologia se, à falta de outros controles, o funcionário puder, por exemplo, "bater o ponto" e voltar para casa. A tecnologia só lhe causaria o desconforto de ir até lá. Ou se o restante do sistema, a base de dados gerada, ou a resposta (esta necessariamente uma tarefa humana) a esses dados não forem eficientes, o ponto biométrico será inútil...
A outra má notícia (o link aponta para a primeira da série de matérias diárias produzidas nesta semana que passou, pelo SBT) retrata o lado perverso da formação de bases de dados com cadastros populacionais. Pode-se dizer que alguns têm (e creio que não seja apenas no Brasil) uma verdadeira tara por cadastrar a tudo e a todos, como se a formação de imensas bases de dados pessoais fossem servir, por si só, para propiciar alguma segurança. E como se não pudessem também ser usadas para o mal.
Aliás, desconfio que seu potencial uso para o mal é algo que tende a superar a sua finalidade desejável. Não é à toa que os limites à formação de cadastros populacionais são objeto de rigorosa legislação nos países da Europa. As más experiências do Velho Continente devem tê-lo levado a isso.
Pois a citada reportagem aponta que crackers estão vendendo, por 2 mil reais, senhas de acesso ao sistema INFOSEG, um megacadastro populacional do Ministério da Justiça, criado com o objetivo de combater a criminalidade. Criminosos compram esse acesso e usam os dados para praticar dezenas de golpes variados, de falsa abertura de contas bancárias a "esquentar" veículos roubados com dados verdadeiros. É um escândalo (digo, para padrões civilizados, pois aqui no Brasil já nada mais escandaliza...)!
Pelos detalhes divulgados no jornal televisivo, não apenas as senhas foram fornecidas, mas o cracker também logrou instalar alguma espécie de módulo de segurança no computador dos jornalistas que conduziam a reportagem. Possivelmente, usou-se desse recurso no sistema INFOSEG para impedir que computadores estranhos aos órgãos de segurança pudessem acessar os dados (não se deu mais detalhes, mas arriscaria dizer que deve ser algo como um desses "módulos de segurança" em javascript usados em internet banking).
Como se vê, a tecnologia não foi capaz de impedir um cracker (seria mesmo um invasor de sistemas ou um criminoso interno ao INFOSEG?) de conseguir algumas senhas e de levar para casa todos os módulos de segurança que deveriam restringir o acesso indevido ao sistema (mais uma salva de palmas a Schneier!).
O que realmente causa espécie, como já salientado neste outro post aqui do blog, é como se pode distribuir amplamente as senhas de um sistema como esse, que guarda dados sensíveis de toda a população. Os jornalistas apuraram que a senha "vendida" pertencia, ou deveria pertencer, a um Policial Militar de Alagoas. Parece muito óbvio que, independentemente de falhas ou de ataques externos, um sigilo compartilhado entre milhares de pessoas já não é mais um segredo.
domingo, 24 de fevereiro de 2013
Eleições na Itália: em papel
Como já disse em um texto anterior, desde que comecei a acompanhar a votação eletrônica no Brasil, há pouco mais de dez anos, passei a me interessar em saber como os outros votam. A foto acima mostra a eleição na Itália, divulgada hoje pela Folha de São Paulo. Deve ser um país miserável, carente de tecnologia, habitado por gente inculta e despolitizada, não é mesmo?
Já comentamos aqui no blog que a Holanda e a Alemanha decidiram voltar ao voto em papel. Em Nova York, a "urna eletrônica" é um leitor ótico que - SIM! - guarda o voto do eleitor assinalado em uma folha de papel, o que permite recontagem.
Enquanto isso, aqui ao sul do Equador, os brasileiros se vangloriam de uma tecnologia que pensam ter, como se tivessem descoberto algo que ninguém mais sabe fazer. Na verdade, como já disse em outras oportunidades, pensamos ser o único país do mundo que conseguiu realizar a "façanha" de ensinar um moderno computador a somar um mais um, até 500, durante meio dia...
Já comentamos aqui no blog que a Holanda e a Alemanha decidiram voltar ao voto em papel. Em Nova York, a "urna eletrônica" é um leitor ótico que - SIM! - guarda o voto do eleitor assinalado em uma folha de papel, o que permite recontagem.
Enquanto isso, aqui ao sul do Equador, os brasileiros se vangloriam de uma tecnologia que pensam ter, como se tivessem descoberto algo que ninguém mais sabe fazer. Na verdade, como já disse em outras oportunidades, pensamos ser o único país do mundo que conseguiu realizar a "façanha" de ensinar um moderno computador a somar um mais um, até 500, durante meio dia...
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
Mais problemas para o "processo eletrônico": falhas de segurança do JAVA
No ano passado, publicamos um artigo sobre os problemas de interoperabilidade que os sistemas de processo eletrônico apresentam, eis que todos os tribunais do país têm usado tecnologias restritivas e específicas para a comunicação via web. Sabendo-se que uma das razões do sucesso da própria Internet, e da Web, foi a sua interoperabilidade, isto é, a possibilidade de comunicação entre aparelhos, sistemas, programas diferentes, desde que observadas "linguagens" comuns (os protocolos TCP/IP, o padrão HTML, etc), os sistemas judiciais nacionais transitam claramente na contra-mão.
Como consequência, os sites de acesso ao "processo eletrônico" não funcionam na multiplicidade de sistemas operacionais disponíveis no mercado, exigindo ainda que o advogado-usuário tenha configurações bastante específicas em seus computadores. Ocorrem até mesmo problemas com versões mais recentes do Windows, incompatíveis com os sites de alguns tribunais. Tudo isso dificulta a utilização, exigindo conhecimento bem além do básico para se conseguir habilitar um computador pessoal a acessar nossa justiça online.
Mas o que era ruim sempre pode ficar pior...
Todos os tribunais de que tenho notícia utilizam applets Java em seus sistemas para envio de petições eletrônicas. Entre as recomendações de configuração, o usuário deve instalar o respectivo plugin, ou extensão. Como tenho dito há tempos, tomaram o caminho mais difícil. Poderiam ter planejado um sistema que permitisse o usuário assinar off-line e apenas fazer upload da petição já digitalmente assinada. Uma página simples para upload funcionaria com qualquer coisa. Se sua geladeira ou torradeira tiverem acesso à web, daria para peticionar com elas em um modelo assim mais simples. Durante alguns anos, simulei com alunos de graduação um modelo como esse, que se mostrou bastante leve e prático, e não exigia que o "usuário" tivesse qualquer configuração especial em seus aparelhos.
Nas últimas semanas, o Java foi para a berlinda. Descobertas falhas de segurança em sequência nos últimos meses, corrigidas logo após, o mais recente ato dessa novela é que a Fundação Mozilla simplesmente colocou a versão corrente do Java na sua "black list"! Se você utiliza o Firefox (ao menos nas suas versões mais novas), verá que o Java foi simplesmente desabilitado e no momento não há uma versão mais nova para instalar.
Noutras palavras, se estiver usando a versão mais atualizada do Firefox, os sistemas dos tribunais não vão funcionar!
Aparentemente, há meios de contornar o problema e continuar a utilizar o Java, mas... será que é prudente?
Bem... ao menos para o U.S. Department of Homeland Security, a recomendação é desabilitar o Java.
Algum tribunal do Brasil já pensou no que fazer com seus sistemas de e-proc, que exigem dos advogados a instalação do Java? Será que algum deles sabe do que eu estou falando?
PS: A propósito, os sistemas de Internet Banking também costumam usar "módulos de segurança" baseados em Java...
Mais informações nos links:
New Java exploit sells for $5000 on black web; possible threat to millions of PCs
U.S. warns on Java software as security concerns escalate
New Java Exploit Fetches $5,000 Per Buyer
Protecting Users Against Java Vulnerability (Mozilla Security Blog)
Como consequência, os sites de acesso ao "processo eletrônico" não funcionam na multiplicidade de sistemas operacionais disponíveis no mercado, exigindo ainda que o advogado-usuário tenha configurações bastante específicas em seus computadores. Ocorrem até mesmo problemas com versões mais recentes do Windows, incompatíveis com os sites de alguns tribunais. Tudo isso dificulta a utilização, exigindo conhecimento bem além do básico para se conseguir habilitar um computador pessoal a acessar nossa justiça online.
Mas o que era ruim sempre pode ficar pior...
Todos os tribunais de que tenho notícia utilizam applets Java em seus sistemas para envio de petições eletrônicas. Entre as recomendações de configuração, o usuário deve instalar o respectivo plugin, ou extensão. Como tenho dito há tempos, tomaram o caminho mais difícil. Poderiam ter planejado um sistema que permitisse o usuário assinar off-line e apenas fazer upload da petição já digitalmente assinada. Uma página simples para upload funcionaria com qualquer coisa. Se sua geladeira ou torradeira tiverem acesso à web, daria para peticionar com elas em um modelo assim mais simples. Durante alguns anos, simulei com alunos de graduação um modelo como esse, que se mostrou bastante leve e prático, e não exigia que o "usuário" tivesse qualquer configuração especial em seus aparelhos.
Nas últimas semanas, o Java foi para a berlinda. Descobertas falhas de segurança em sequência nos últimos meses, corrigidas logo após, o mais recente ato dessa novela é que a Fundação Mozilla simplesmente colocou a versão corrente do Java na sua "black list"! Se você utiliza o Firefox (ao menos nas suas versões mais novas), verá que o Java foi simplesmente desabilitado e no momento não há uma versão mais nova para instalar.
Noutras palavras, se estiver usando a versão mais atualizada do Firefox, os sistemas dos tribunais não vão funcionar!
Aparentemente, há meios de contornar o problema e continuar a utilizar o Java, mas... será que é prudente?
Bem... ao menos para o U.S. Department of Homeland Security, a recomendação é desabilitar o Java.
Algum tribunal do Brasil já pensou no que fazer com seus sistemas de e-proc, que exigem dos advogados a instalação do Java? Será que algum deles sabe do que eu estou falando?
PS: A propósito, os sistemas de Internet Banking também costumam usar "módulos de segurança" baseados em Java...
Mais informações nos links:
New Java exploit sells for $5000 on black web; possible threat to millions of PCs
U.S. warns on Java software as security concerns escalate
New Java Exploit Fetches $5,000 Per Buyer
Protecting Users Against Java Vulnerability (Mozilla Security Blog)
sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
O efeito mágico do "Processo Eletrônico": TJSP anuncia julgamento em 10 dias úteis
Não gosto da expressão "processo eletrônico", como já escrevi várias vezes, pois em termos conceituais ela não para em pé. Se todos a usam - e ela tem um inegável apelo de marketing! - eu me permito escrevê-la entre aspas, como está no título acima.
Como todos sabem, o TJSP quer porque quer implantar um "processo eletrônico" às pressas. O que não se fez nos últimos dez anos, tentará ser feito em dez meses. Vim a saber que, para a migração de sistemas do Fórum João Mendes, teriam sido treinados dois funcionários de cada Cartório, para que estes ensinem os outros. Já ouvi, anos atrás, de outro juiz então responsável pela informática do Tribunal, que isso já não havia dado certo. O funcionário mal aprende para si, quanto mais para ensinar outros... Naquele momento, então, decidiram que só migrariam sistemas de um órgão judicial após treinar a todos. Pelo visto, reviram essa posição. E esse é apenas um dos pontos questionáveis de se tentar uma informatização assim afobada, mas não vou me alongar mais sobre essa questão.
O motivo do corrente post é comentar uma notícia veiculada no site do TJSP, no dia 15 último. O título é: "Surgem os primeiros frutos do processo eletrônico no FJMJ – sentença proferida em dez dias úteis".
Incrível, não? Se eu fosse um jurisdicionado comum, um qualquer do povo, passaria a acreditar que a justiça de meu país finalmente vai andar rápido. Rápido como um foguete! Ou melhor: rápido como a Internet!
A quem cursou regularmente um curso de Direito, infelizmente, a notícia tem todo o sabor de um exagero do setor de marketing. Diria até que, fosse divulgada por uma empresa privada, esta correria o risco de sofrer ação civil pública por propaganda desmedida. Mas vem do órgão público que há de julgar tais tipos de causas...
A notícia não divulgou o número do processo, para que eu pudesse ver os autos, ou ao menos as informações disponíveis na Internet, e tentar compreender como tudo pôde terminar tão rápido. Por isso, restou-me uma sensação de incompletude.
Afinal, se o prazo de defesa do réu, por si só, é de 15 dias corridos, contados da juntada do mandado de citação cumprido, como é que o processo todo poderia acabar em "10 dias úteis"? E o direito de recorrer? Não houve recurso? Réplica? Provas? Sem respostas a essas perguntas, não é possível compreender como um processo judicial regular pode ser dado por encerrado após 10 dias úteis!
A divulgação feita no site do TJ ao menos deixa antever que se trata de lide excepcionalíssima, um caso concreto literalmente de vida ou morte, que felizmente foi tratado com a necessária urgência por parte do magistrado. Se há um juiz decidido - e disponível - a ordenar imediatamente uma medida judicial e seu pronto cumprimento (não se diz na notícia como se procedeu a isso) para salvar a vida de um paciente grave, não me parece que o "processo eletrônico" tenha qualquer mérito nisso. Nos autos em papel, o mesmo também poderia ter ocorrido.
Divulgar um caso excepcional como um dos "primeiros frutos do processo eletrônico" é, infelizmente, pura ação de marketing. Para o bem ou para o mal, a Internet tem levado tribunais e outros órgãos públicos a divulgar notícias em seus websites como se entes privados fossem, apresentando com exagerados auto-elogios e uma estética publicitária os serviços que prestam à sociedade. Talvez seja eu um pouco antiquado, pois acredito que órgãos públicos têm o dever de prestar informações precisas, exatas e completas ao cidadão, como preconiza o inciso XXXIII, do art. 5º da Constituição Federal.
Como assinala Wallace Paiva Martins Júnior (Tranparência Administrativa, Saraiva, 2004), "como obrigação estatal ou resultante do exercício do direito de acesso, sujeita-se [a Administração] ao dever de veracidade, ou seja, os órgãos e as entidades da Administração Pública têm o dever de difusão pública de informações verídicas, com certeza, segurança e determinação quanto ao seu conteúdo, não se tolerando publicidade mentirosa, tendenciosa, maliciosa ou incompleta" (grifei).
Saliente-se que, como já tratei anteriormente aqui no blog, o STJ já divulgou notícia assim imprecisa e exagerada para exaltar os supostos benefícios do seu "processo eletrônico".
A informatização processual (expressão que prefiro), saliente-se, mais do que desejável é por mim ansiosamente aguardada há cerca de uma década! Contudo, não basta passar o papel para a tela do computador. É necessário muito mais, para aproveitar o poder de processamento dos computadores para imprimir eficiência ao órgão judicial. Isso exige repensar todo o modo de ser do processo e, especialmente, uma reengenharia das estruturas internas dos órgãos judiciais. Algo que, na minha modesta opinião, deveria ter sido feito antes de passar o papel para a tela. Planejamento de longo prazo, para isso, é essencial.
Para finalizar: a manchete que os brasileiros querem ler - quiçá chegue o dia! - não é a de que um processo acabou em dez dias úteis, fruto evidente de situações excepcionalíssimas ou de notícias imprecisas, mas a de que TODOS os processos terminam antes de um ano.
Como todos sabem, o TJSP quer porque quer implantar um "processo eletrônico" às pressas. O que não se fez nos últimos dez anos, tentará ser feito em dez meses. Vim a saber que, para a migração de sistemas do Fórum João Mendes, teriam sido treinados dois funcionários de cada Cartório, para que estes ensinem os outros. Já ouvi, anos atrás, de outro juiz então responsável pela informática do Tribunal, que isso já não havia dado certo. O funcionário mal aprende para si, quanto mais para ensinar outros... Naquele momento, então, decidiram que só migrariam sistemas de um órgão judicial após treinar a todos. Pelo visto, reviram essa posição. E esse é apenas um dos pontos questionáveis de se tentar uma informatização assim afobada, mas não vou me alongar mais sobre essa questão.
O motivo do corrente post é comentar uma notícia veiculada no site do TJSP, no dia 15 último. O título é: "Surgem os primeiros frutos do processo eletrônico no FJMJ – sentença proferida em dez dias úteis".
Incrível, não? Se eu fosse um jurisdicionado comum, um qualquer do povo, passaria a acreditar que a justiça de meu país finalmente vai andar rápido. Rápido como um foguete! Ou melhor: rápido como a Internet!
A quem cursou regularmente um curso de Direito, infelizmente, a notícia tem todo o sabor de um exagero do setor de marketing. Diria até que, fosse divulgada por uma empresa privada, esta correria o risco de sofrer ação civil pública por propaganda desmedida. Mas vem do órgão público que há de julgar tais tipos de causas...
A notícia não divulgou o número do processo, para que eu pudesse ver os autos, ou ao menos as informações disponíveis na Internet, e tentar compreender como tudo pôde terminar tão rápido. Por isso, restou-me uma sensação de incompletude.
Afinal, se o prazo de defesa do réu, por si só, é de 15 dias corridos, contados da juntada do mandado de citação cumprido, como é que o processo todo poderia acabar em "10 dias úteis"? E o direito de recorrer? Não houve recurso? Réplica? Provas? Sem respostas a essas perguntas, não é possível compreender como um processo judicial regular pode ser dado por encerrado após 10 dias úteis!
A divulgação feita no site do TJ ao menos deixa antever que se trata de lide excepcionalíssima, um caso concreto literalmente de vida ou morte, que felizmente foi tratado com a necessária urgência por parte do magistrado. Se há um juiz decidido - e disponível - a ordenar imediatamente uma medida judicial e seu pronto cumprimento (não se diz na notícia como se procedeu a isso) para salvar a vida de um paciente grave, não me parece que o "processo eletrônico" tenha qualquer mérito nisso. Nos autos em papel, o mesmo também poderia ter ocorrido.
Divulgar um caso excepcional como um dos "primeiros frutos do processo eletrônico" é, infelizmente, pura ação de marketing. Para o bem ou para o mal, a Internet tem levado tribunais e outros órgãos públicos a divulgar notícias em seus websites como se entes privados fossem, apresentando com exagerados auto-elogios e uma estética publicitária os serviços que prestam à sociedade. Talvez seja eu um pouco antiquado, pois acredito que órgãos públicos têm o dever de prestar informações precisas, exatas e completas ao cidadão, como preconiza o inciso XXXIII, do art. 5º da Constituição Federal.
Como assinala Wallace Paiva Martins Júnior (Tranparência Administrativa, Saraiva, 2004), "como obrigação estatal ou resultante do exercício do direito de acesso, sujeita-se [a Administração] ao dever de veracidade, ou seja, os órgãos e as entidades da Administração Pública têm o dever de difusão pública de informações verídicas, com certeza, segurança e determinação quanto ao seu conteúdo, não se tolerando publicidade mentirosa, tendenciosa, maliciosa ou incompleta" (grifei).
Saliente-se que, como já tratei anteriormente aqui no blog, o STJ já divulgou notícia assim imprecisa e exagerada para exaltar os supostos benefícios do seu "processo eletrônico".
A informatização processual (expressão que prefiro), saliente-se, mais do que desejável é por mim ansiosamente aguardada há cerca de uma década! Contudo, não basta passar o papel para a tela do computador. É necessário muito mais, para aproveitar o poder de processamento dos computadores para imprimir eficiência ao órgão judicial. Isso exige repensar todo o modo de ser do processo e, especialmente, uma reengenharia das estruturas internas dos órgãos judiciais. Algo que, na minha modesta opinião, deveria ter sido feito antes de passar o papel para a tela. Planejamento de longo prazo, para isso, é essencial.
Para finalizar: a manchete que os brasileiros querem ler - quiçá chegue o dia! - não é a de que um processo acabou em dez dias úteis, fruto evidente de situações excepcionalíssimas ou de notícias imprecisas, mas a de que TODOS os processos terminam antes de um ano.