quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Ventos, raios e chuvas...

Ficamos umas semanas sem escrever, mas este blog ainda não sofreu um apagão!

Aliás, nada como um apagão para percebermos o quanto as sociedades modernas são dependentes de energia elétrica! Nada mais funciona! Do meu rádio-relógio até hospitais inteiros.

Onde eu estava a luz ficou oscilando e, estranhamente, só parte da casa apagou (aparentemente, só uma das "fases" caiu, o que estava ligado na outra corrente permaneceu aceso) e assim ficou por alguns minutos... até que tudo se foi de vez. Curioso com o ocorrido, eu queria procurar por notícias, mas... como? Nada funciona. Meu celular estava com pouca carga para navegar na Internet, mas, felizmente, eu tenho em casa um bom "kit apagão", umas lanternas e um carregador movidos a energia animal... a nossa própria! Vejam que útil:





Na verdade, comprei essas coisas por outros motivos. Sempre que se precisa de uma lanterna, as pilhas já acabaram, não é? O carregador foi comprado para viagens, para manter celular ou GPS funcionando em situação de alguma necessidade... Sem querer, fiquei preparado para o apagão que der e vier. Uns dez minutos girando e meu celular recebeu um pouquinho de carga que me permitiu navegar pela Internet até o início da madrugada. Além do mais, isso ainda ajuda a manter a forma e a queimar umas calorias extras!

Mas acabei indo dormir, sem luz e sem explicação do que ocorreu... Pelo visto, se ficasse esperando uma explicação, já teria perdido uns 30kg só de "dar corda" no carregador do celular. Dois dias depois, chegou finalmente o esclarecimento oficial para o blecaute: foram "ventos, raios e chuvas"... Uma semana depois, resolveram perguntar para quem entende do riscado: uma vidente!

Bom, se é assim, com a chegada das chuvas do verão que se avizinha, este blog recomenda aos seus leitores que comprem um kit apagão no site chinês mais próximo... e façam isso logo antes que a luz se apague!

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Sobre o projeto de divórcio pela Internet

A CCJ do Senado aprovou projeto de lei, conforme recentemente divulgado no Consultor Jurídico, prevendo a apresentação do pedido de divórcio pela Internet. O que dizer de uma proposta como essa? Comecemos analisando o que exatamente diz o seu texto. O projeto acrescenta mais este artigo ao Código de Processo Civil:

Art. 1.124-B. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal, e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser requeridos, ao juízo competente, por via eletrônica, conforme disposições da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial.

Parágrafo único. Da petição constarão as disposições relativas à descrição e partilha dos bens comuns, à pensão alimentícia e aos nomes, se tiverem sido alterados com o casamento.

O citado projeto apenas prevê que a separação ou o divórcio consensuais poderão ser "requeridos" por via eletrônica, algo que a Lei 11.419/06, citada no texto, já permite para todos os processos (desde, é claro, que a Justiça esteja aparelhada para tanto). A Lei 11.419, aliás, diz mais: diz que não só o requerimento, mas todos os atos processuais, e os próprios "autos", podem ser eletrônicos.

Não vejo que diferença faria converter em lei um projeto como esse... Note-se que, falando exclusivamente do requerimento, não há nada no texto proposto que sequer sugira que o casal não precisará comparecer a juízo para a audiência prevista no artigo 1.122, do CPC. Se a intenção dos seus propositores era suprimir a citada audiência, parece que o texto ficou lacunoso. Mas, por outro lado, se é para suprimir a audiência com o juiz, por que fazê-lo apenas quando o Divórcio é requerido pela Internet? Por que o casal, também sem filhos incapazes, que requeresse por petição escrita em papel não poderia, igualmente, ser dispensado de passar a tarde no Fórum, aguardando sua vez de ser ouvido pelo magistrado?

O parágrafo único também é redundante. Esses requisitos da petição inicial de separação consensual já se encontram no artigo 1.121, que se aplica a todos os pedidos, de casais com ou sem filhos menores (é claro que os que não têm filhos menores não precisam cumprir os incisos II e III).

Por outro lado, qual a razão para se criar uma regra assim, casuística, eis que se aplica a um único tipo de processo, e que ainda se mostra redundante diante de normas já existentes? Se a moda pegar, virão outros muitos projetos de lei, cada qual prevendo que também poderão ser requeridos eletronicamente os despejos, as cobranças, os inventários, as cautelares, as pensões alimentícias, os benefícios previdenciários, os alvarás, as indenizações (aqui ainda poderão fazer um projeto de lei para cada tipo de situação: erros médicos, acidentes de veículos, construções defeituosas, protestos indevidos, o que mais a imaginação permitir...).

Leis já existem em demasia neste país. O problema de informatização do processo é, antes de tudo, uma questão de aportar-se suficientes verbas e realizar uma gestão eficiente.

Opino pela rejeição!

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Os riscos da auto-exposição

Tenho dito com frequência, e já escrevi aqui no blog, que tenho certo desprezo por este tipo de relacionamento social que as pessoas têm travado pela Internet, que transformou sua vida privada - quando não íntima - em fato público. Notícia publicada recentemente informa que criminosos estariam utilizando essas informações escancaradamente disponíveis para encontrar e estudar suas potenciais vítimas.

Não era mesmo de se esperar outra coisa. Não entendo que utilidade há em deixar disponível ao público em geral informações do dia-a-dia de pessoas "normais", recadinhos entre amigos e similares. Sem dúvida, se há alguém que pode se interessar por isso, além dos interlocutores e de um restrito círculo de amizades, são os criminosos.

Acho que é desnecessário maiores comentários: a leitura da matéria citada fala por si... É difícil defender a proteção à privacidade, tema que considero da maior importância para a sociedade atual, se massas volumosas de pessoas, mesmo instruídas e com acesso à Internet, não lhe dão a menor importância.

sábado, 29 de agosto de 2009

Meu escritório embaixo da árvore - 2


Já tratei da mobilidade em mensagem anterior, cujo título reproduzo novamente aqui. A cada vez que saio de férias, o tema me chama ainda mais a atenção. Quando será que conseguirei trabalhar sob a gostosa sombra de uma árvore? Como essa, no Parque do Caracol, em Canela (RS)?

Mal cheguei de férias, e uma notícia menciona o possível nascimento de uma nova geração de aparelhos, que estão sendo apelidados com a autoexplicativa palavra smartbook, uma fusão de smartphone com notebook.

Cada vez mais, está ocorrendo uma convergência destes aparelhos eletrônicos todos, que podem ser considerados verdadeiros computadores de uso geral.

Há alguns meses, estou me divertindo com um Internet Tablet N810, da Nokia, comprado no intuito de substituir, como agenda, o Palm TX que eu utilizava. O N810 é gerenciado por um sistema operacional Linux e, com algum "do it yourself", necessário para garimpar na rede e instalar alguns aplicativos mais, transforma-se praticamente em um computador "de verdade", com 200g de peso e que cabe no bolso do paletó. De tudo que pode ser instalado como extra, destaco, sob o ângulo profissional, o Open Office, a conhecida suíte de escritórios livre. A versão instalada no N810 é completa; não se trata, portanto, daqueles aplicativos para Palm, ou para celulares, que apenas abrem em formato nativo os arquivos de programas para desktop, mas trazem apenas um mero punhado de opções. O acesso à Internet pelo browser padrão, que veio pré-instalado, também é uma boa experiência: a tela tem 800 pixels de largura e um browser completo é capaz de ver as páginas da web em seu formato normal.

Levei o Tablet na minha última viagem de férias e, tendo algumas pendências profissionais para resolver durante aquele período, escrevi alguns textos no Open Office do N810, usando o pequeno teclado deslizante, e os remeti para o escritório. É utilizável! Escreve-se com os dois polegares e não se tem, claro, o mesmo conforto ou agilidade de escrever com dez dedos num teclado de desktop... mas, não creio que esse quesito seja esperado por quem carrega o computador no bolso. Como um plus, o N810 ainda substitui um GPS, o que é bem útil em viagens, e um outro aplicativo instalado me oferecia a previsão do tempo nos locais por que passei, a partir de serviços de meteorologia online. Divertido, realmente!

Ao chegar de viagem, encontro no escritório um aparelho E75, emprestado pela Nokia para um "test-drive" de uma semana. Este é um celular recém-lançado, com sistema Symbian, dotado de um teclado deslizante tão usável quanto o do N810. Para uso profissional ou corporativo, que é seu foco, pareceu-me atraente; quase compete com o N810, exceto pelas possibilidades deste decorrentes do sistema Linux e de sua enorme gama de aplicativos instaláveis, semelhantes aos que uso no meu computador de mesa. Caso lhes interesse, publiquei reviews dos dois aparelhos, contando minhas experiências, em um fórum tecnológico de que participo: sobre o N810 e sobre o E75.

Enfim, os equipamentos móveis estão evoluindo com muita rapidez e gerando um potencial interessante, como eu já havia escrito naquela mensagem de janeiro passado. Um detalhe a mais chamou minha atenção durante esta viagem: hotéis, já há um bom tempo, costumam oferecer acesso à Internet; mas surpreendeu-me saber que até uma hospitaleira pousada familiar, em São Joaquim, pequena e simpática cidade da serra Catarinense, já oferece serviço de wi-fi gratuito para seus hóspedes.

Acho que meu escritório embaixo da árvore já está disponível! Só falta aguardar que o Judiciário nacional implemente uma informatização verdadeiramente operante...

sábado, 8 de agosto de 2009

Eleições por celular? Socorro!

Já não somos mais os "campeões" da tecnologia eleitoral. Notícia divulgada na Folha Online informa que a Rússia, esta conhecida baluarte da democracia, está preparando eleições pelo celular.

Segundo divulgado pela Folha Online, "o sistema funciona, contamos com os equipamentos técnicos necessários e agora estamos afinando os aspectos jurídicos", explicou Gennady Raikov, membro da CEC responsável pela votação eletrônica. Sim... é claro que funciona! Mais um país está conseguindo ensinar computadores modernos a somar um mais um.... e agora à distância! Não é in-crí-vel?

Tentei uma busca pela Internet e não encontrei maiores informações. Gostaria de saber mais detalhes técnicos desta má idéia, para poder tirar minhas próprias conclusões sobre se o sistema realmente "funciona". E como funciona, que é o que parece ser mais essencial, porque somar um mais um e encontrar dois é algo que tenho absoluta certeza de que funcionará, ao menos nas demonstrações públicas... Curiosamente, acabei descobrindo que a Rússia não é pioneira nesta "altíssima" tecnologia para celulares. A Estônia foi o primeiro país no mundo a aprovar uma lei prevendo votação por aparelhos móveis, e utilizará esta "incrível" tecnologia em 2011. A notícia foi publicada, sem nenhum senso crítico, em alguns websites voltados para tecnologia móvel, como o Gizmodo ou o Engadget.

Qual o problema em votar pela Internet, ou pelo celular? Tecnologicamente falando, realmente não há nenhuma dificuldade. Dá para fazer coisas muitíssimo mais complexas pelo computador, pela Internet, ou com celulares, do que somar um mais um em um computador remotamente conectado. Fico realmente impressionado é em ver como a população média fica "encantada" com bobagens simplistas como essas.

Mesmo do ângulo puramente tecnológico, há um "pequeno" problema aqui, certamente minimizado pelos tecnoburocratas: não há como votar à distância se o voto não for identificado! Para que não se vote duas vezes, alguma maneira de identificação do voto do eleitor tem que ser implantada num modelo desses. Aparentemente, o voto será assinado digitalmente ou algo semelhante, para assegurar a existência de um único voto por eleitor remoto. O sigilo do voto acabou!

Mas há também o problema político e humano. A única maneira - ÚNICA, é bom falar alto! - de assegurar a liberdade de votar em quem o eleitor quiser é deixá-lo a sós na cabine de votação. Infelizmente, sair de casa para votar num local específico para isso, embora possa parecer antiquado e entediante, é o preço da manutenção de uma verdadeira Democracia.

Como assegurar liberdade ao eleitor, se não sei em quais condições, ou em que lugar, ou na companhia de quem (especialmente isso!) o eleitor se encontra no momento em que envia seu voto remotamente? Não posso dizer nada da realidade política e social da remota e gelada Estônia... mas conheço bem o meu país tropical: votação remota, aqui, significaria a vitória triunfante do voto de cabresto! E pela primeira vez na história política nacional, o cabo-eleitoral-comprador-de-votos vai poder ter a absoluta certeza de que o eleitor-vendedor realmente votou no seu "chefe". Se quiserem, podem substituir as expressões "comprador"/"vendedor" por "coator"/"coagido"...

Socorro!

domingo, 26 de julho de 2009

Qual a tecnologia envolvida na Urna Eletrônica?

Em mensagem anterior, dedicada ao uso da Internet nas eleições, abri o texto com um comentário marginal, em que chamei de "monstrengos" alguns supostos avanços tecnológicos nacionais do setor público. Lembro-me que a palavra foi usada por meu saudoso Mestre Goffredo para designar o AI-5, durante um ato público realizado no apagar das luzes da ditadura. Disse ele que o AI-5 era um "monstrengo jurídico". Pois agora estamos criando e cultivando monstrengos tecnológicos.

Um dos (talvez poucos, ainda) leitores deste novo blog deixou-me comentário, já publicado, dizendo que minhas palavras seriam uma "depreciação de trabalhos feitos por brasileiros altamente competentes" e que o objeto de minha rápida observação seriam "projetos mundialmente reconhecidos".

Bem... vamos por partes. E aos poucos, porque estou de férias! Falemos, por ora, da urna.

Qual foi o reconhecimento mundial de nossa urna eletrônica? Será que perdi esta notícia?

Esta simples explicação da urna eletrônica não é minha, mas já não me lembro de quem a ouvi. Mas como é muito boa, simples de ser compreendida até por quem nada entende de Informática, eu a tenho repetido toda vez que falo no assunto. A urna é um sistema informático capaz de somar um mais um, até o máximo de quinhentos, durante dez horas. Ora, qualquer um faz um sistema assim. Não há nada de inovador nisso. É um sistema com input pelo teclado e um contador que acumula numa base de dados bastante simples. Programar um website de comércio eletrônico deveria ser mais complexo do que isso.

O curioso é que a massa da população brasileira, que defende a urna como se fosse a Seleção, não repara que, passados mais de dez anos, em um mundo de altíssima competitividade tecnológica, ninguém mais repetiu o "feito". EUA, Alemanha, Japão, para citar apenas três, ainda não conseguiram ensinar um computador de algumas centenas de megahertz de clock a somar um mais um até quinhentos...

Deixando a ironia de lado, outros países ainda não repetiram esta nossa "façanha tecnológica" porque não conseguiram criar uma urna eletrônica auditável. Trata-se na verdade de um problema conceitual: ao que tudo indica, é impossível realizar uma eleição secreta de modo satisfatoriamente auditável e que seja totalmente eletrônica. E digo "auditável", aqui, segundo padrões democráticos.

A propósito, nós brasileiros também não conseguimos descobrir a fórmula da eleição totalmente eletrônica E democraticamente auditável... mas puseram em uso mesmo assim... Por enquanto, ela só é totalmente eletrônica, porém inauditável.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

A vexatória lista da PGFN

É estarrecedora a notícia de que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional divulgou em seu site o nome de 1,034 milhão de devedores, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, inscritos na Dívida Ativa da União e com cobrança judicial.

Não há justificativa lícita para essa divulgação. A Inscrição em Dívida Ativa já é suficiente para assegurar certeza e liquidez aos créditos da União. Já agrega, além disso, um ônus enorme ao contribuinte, pela conseqüente inscrição no CADIN, cadastro de devedores da União, a vedá-lo de contratar com órgãos públicos, firmar convênios, obter financiamentos, etc. Ademais, a propositura de demanda judicial de cobrança já torna pública a situação do contribuinte, posto que os sites dos Tribunais Federais permitem consultas sobre processos em andamento na Justiça Federal, embora, nesse caso, a realidade seja completamente diversa, quer porque as informações são esparsas, e não coligidas em uma única base de dados, quer porque representam demandas judiciais, e não mera declaração de um pretenso credor, expondo o nome de um devedor, quer ainda porque a informação seja completa, inclusive quanto a defesas que o contribuinte tenha apresentado, ou recursos que eventualmente tenha interpostos.

Se assim é, a divulgação da lista de devedores só pode ser vista como medida de verdadeiro constrangimento ao contribuinte, dando-lhe punição adicional e vexatória, a fazer com que todos saibam a situação em que se encontra.

Enquanto os países adotam medidas de controle de fluxo de dados transnacionais de seus cidadãos, como o acordo feito entre a Comunidade Européia e os EUA (Safe Harbor Agreement), controlando os dados pessoais de cidadãos europeus transferidos para o território norte-americano, o nosso Governo faz exatamente o oposto, ou seja, promove a divulgação de informações negativas sobre os brasileiros.

No âmbito interno, tempos atrás, alguns credores se valiam de banda vestida de vermelho, na porta do devedor, para constrangê-lo. O que faz a PGFN é muito pior, pois não apenas os vizinhos do devedor, mas todo mundo, reitere-se, TODO MUNDO, poderá xeretar a malfadada lista, a ver se conhece alguém com o nome nela inscrito.

Sequer é possível saber as efetivas conseqüências da divulgação dessas informações, posto que, depois de expostas na internet, não será mais possível controlá-las, já que numerosos outros sites poderão passar também a deter essas informações, por razões que só a imaginação poderá prever.

Marcos da Costa

Vigilância digital sobre as empresas

A Folha de São Paulo de hoje (06.07.2009), no Caderno Dinheiro, publica matéria "Fisco amplia vigilância digital sobre as empresas" informando que, das 8.200 empresas que estavam obrigadas, 87% já instalaram o sistema da Receita Federal denominado SPED (Sistema Público de Escrituração Digital), composto por três módulos: o Sped Contábil, o Sped Fiscal e a Nota Fiscal Eletrônica.

Tenho sérias dúvidas se medidas como essa, impostas pelo Governo, seriam recebidas de forma tão pacífica pela sociedade, especialmente em países com maior tradição democrática, ou que tenham passado por experiências com resultados catastróficos com o uso indevido da tecnologia pelo Poder Público.

Para começar, a implantação desses sistemas, que sempre visam facilitar a vida dos Governos, tem custos que invariavelmente são transferidos para os cidadãos e as empresas. No caso do sistema Sped, diz a matéria da Folha: “As despesas de implantação do Sped variam muito. Podem custar entre R$ 100 mil e R$ 800 mil, mas há quem tenha gasto até R$ 20 milhões por estar em grande defasagem tecnológica, de acordo com a Ernst & Young”.

O problema, porém, é ainda mais relevante. Ainda eu não houvesse custo algum, a mera instalação de sistema de informática, cedido pelo Governo, em meu computador, já me deixaria preocupado. Não sei se são compatíveis com meu sistema operacional, ou com aplicativos que eu mantenho em meu computador. Não sei sequer se não trazem embutidos erros de programação, que possam causar danos ao meu equipamento e aos dados nele gravados.

Mais preocupante é o fato desses sistemas do Governo, em regra, não terem seus códigos-fonte abertos, impedindo que a comunidade científica brasileira possa pesquisar se tem códigos ocultos, que possam extrair de meu equipamento informações confidenciais.

Só essas preocupações já seriam suficientes para que a sociedade pudesse discutir a obrigatoriedade de instalar aqueles sistemas.

Porém, mesmo que tudo isso pudesse ser superado, restariam ainda as preocupações legítimas sobre o que a Receita Federal fará com os dados das empresas. A própria Folha de São Paulo adverte que “na prática, as companhias passam a ser muito mais vigiadas”. Com a capacidade de processamento de informações dos atuais parques tecnológicos, aliada à troca de dados cada vez mais intensa entre Governos (Federal, Estaduais e Municipais) e seus respectivos órgãos é difícil imaginar o nível de vigilância que será possível ao Poder Público, sobre atos de cidadãos e de empresas.

Há, ainda, a questão da responsabilidade sobre a guarda desses dados, sobre a qual invariavelmente se omite o Governo. Lembrem-se de que CD´s com a íntegra das declarações de Imposto de Renda eram vendidos na Praça da Sé em São Paulo, e que recentemente foi fechado pela Polícia um site que vendia informações pessoais de qualquer cidadão. E de onde, quem vendia essas informações, as obteve?

Marcos da Costa

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Dificuldade com o novo ou manutenção do 'status quo'?

O Brasil é mesmo um país peculiar! Alguns se gabam da tecnologia que pensamos ter, quando criamos monstrengos como a Urna Eletrônica, a ICP-Brasil, as declarações de renda cem por cento enviadas pela Internet, peticionamento eletrônico ao Judiciário, videoconferência de presos, tudo coisa que dá uma certa aura de modernidade ao Estado brasileiro, mas que no fundo, é uma casca de maquiagem hi-tech a encobrir os principais problemas do setor público, estes na verdade crônicos e aparentemente invencíveis...

Quando a tecnologia pode ser usada em prol da Cidadania, da Democracia, da Liberdade de Expressão, do Acesso à Justiça, o Estado se mostra, no entanto, bastante avesso a seu uso.

Vejam vocês que está em trâmite um projeto para "regular" a propaganda eleitoral por meio da Internet. A "obra" já recebeu críticas arrazadoras do comentarista Fernando Rodrigues, do UOL, bem sintetizadas no trecho que reproduzo abaixo:

"O principal problema é que o excesso de regras inibirá o movimento dos candidatos com menos recursos de entrarem com tudo na rede. Haverá muita dúvida legal sobre incentivar a criação de grupos de relacionamento e outros mecanismos de comunicação interativa. Quem não tem assessoria jurídica pode ficar com medo de avançar pelo risco (real) de ser processado até a morte pelo candidatos mais poderosos. Dessa forma, a regulação extremada mata o que há de melhor na internet em campanhas eleitorais: a liberdade total que ajuda a renovar a política.

Os políticos brasileiros não querem renovação. Querem manter o status quo." (grifei)

Analisar o projeto como um todo é trabalho para mais do que uma mensagem de blog. Quem sabe ainda voltemos nisso depois... Ficarei, por ora, com a discussão daquilo que me parece mais essencial.

Embora não seja eu nenhum especialista em Direito Eleitoral, como um mero cidadão que se interessa por política tenho, já há bastante tempo, uma forte sensação de que nossas eleições padecem de regras demais. Regras demais suscitam incidentes demais. Incidentes demais suscitam questões demais a serem decididas por juízes. Nada contra os juízes, também muito essenciais para o Estado de Direito, mas o problema, aqui, é que, tratando-se de uma eleição democrática, o juiz supremo para estes tipos de conflito haveria de ser o povo, este ente frequentemente esquecido pelas nossas esferas de poder.

Em termos ideais, e possivelmente inatingíveis, eleições não deveriam ter regras. Cada um faz o que quer, diz o que quer, e o povo, juiz supremo, que julgue quem merece ocupar as magistraturas eletivas da Nação. Se alguém se comportou mal na campanha, que o povo o diga.

Admito que há um pouco de utopia nisto que falei acima. Mas... por que não pode ser assim? Penso que o principal problema numa eleição regida pelo "vale-tudo" seria o abuso do poder econômico ou político (por quem o detém, claro). Estes dois poderes, (in)devidamente abusados, desequilibram a disputa ao dar infinitamente mais exposição aos seus favorecidos, ou obscurecer a apresentação dos oponentes ao eleitor. Neste sentido, regras sobre eleições podem fazer sentido para, e somente para, equilibrar a disputa, neutralizando o efeito destes poderes. Esta é, na minha opinião, a única razão que deveria orientar regras jurídicas sobre o procedimento das eleições políticas. Curiosamente, nosso cipoal de regras eleitorais não parece ser suficiente para minimizar esta influência dos poderes político e econômico... regras demais, eficácia de menos!

Dentro deste prisma, pode, então, fazer sentido regular as propagandas na TV e no Rádio. Essas são bens escassos e, principalmente, caros. Não é o que ocorre com a Internet. Não desconheço o fato de que um bonito website possa custar algumas centenas de milhares de reais; mas também pode sair de graça! Além disso, a dinâmica de trabalho voluntário que a Sociedade em Rede propiciou - vide, por exemplo, o modelo de desenvolvimento de software livre, ou de sites colaborativos como a wikipedia - pode permitir a criação de sofisticados meios de comunicação do candidato com seus eleitores, bastante competitivos, a custo verdadeiramente zero (não calculado, claro, o valor econômico das horas de trabalho voluntário dos possíveis apoiadores).

Além deste aspecto econômico, ainda há outro que parece ser ainda mais essencial, na comparação das mídias: TVs e Rádios são mídias lineares. Quem está sossegado em sua casa, assistindo à novela, ao show de calouros, ao telejornal, "reality show", etc., é atingido involuntariamente pela propaganda (eleitoral ou não), sem alternativas práticas (suponho que quem quer continuar a ver o resto da novela, ou do show, deixará correr aquela publicidade diante dos seus olhos e ouvidos... aliás, parece ser o que acontece!). A Internet, como se sabe, é uma estrutura em rede. Não tem esta linearidade compulsória da TV e do Rádio. O internauta entra onde quiser, fica ali o tempo que quiser, volta quando quiser.

A paridade de armas, na campanha pela Internet, está estabelecida por si. Nada me faz crer que aquele website que custou um milhão de reais com a mais moderna tecnologia de ponta vá atrair mais votos do que um mais simples, produzido sem custo (aliás, lembro que muita tecnologia pode fazer o caro website não funcionar em todos os browsers...). Regras demais, como parece ser o caso do projeto em questão, só vão servir para estragar esta competitividade inata da rede e, principalmente, subtrair do juiz supremo (o povo, é bom lembrar!) o julgamento final. E, claro, para fulminar a chance de um debate político mais sério e profundo, não essa coisa pasteurizada que nos oferecem a cada dois anos. Ou, pior, para impedir que algo novo possa aparecer, como fruto de uma nova Sociedade em Rede e de uma população crescente que participa de mídias sociais e novas formas de interação.

Assim, vou dar minha única sugestão neste sentido de equilibrar a disputa: os sites do TSE e dos TREs indicarão um link para uma página central de cada candidato. Pronto! Todos podem ser localizados por seus eleitores.

E minhas tendências libertárias ainda sugerem que poderíamos tentar experimentar dar liberdade total aos candidatos: digam na Internet o que quiserem! Critiquem, proponham, acusem, xinguem até a mãe do oponente. E o ofendido se defende no seu próprio site, se quiser; o eleitor-internauta deve ser suficientemente esperto para encontrá-lo, se quiser saber a sua versão. Nada, portanto, de ficar regulamentando direito de respota em blogs, como absurdamente proposto no projeto! Deixem escrever, afinal, ninguém é obrigado a ler isso até o fim... e lembrem-se: o povo estará julgando!

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Entrevista

Fazendo uma pequena pausa para nossos comerciais (risos), informo que, representando a Comissão de Informática da OAB-SP, serei entrevistado pela All TV nesta próxima quinta-feira, seguindo um cronograma de apresentação dos trabalhos das Comissões.

O programa será transmitido "ao vivo" no dia 25/6/2009, das 22 às 23 horas e o endereço eletrônico é www.alltv.com.br.

Estão todos convidados a comparecer e participar.

domingo, 31 de maio de 2009

Reflexões sobre o consumo online

O consumo online cruzou meu dia-a-dia nestas últimas semanas, sob diferentes aspectos. Este texto não é nada mais do que uma porção de "flashs", talvez mal alinhavados entre si, a respeito do tema.

No final de abril, participei de uma banca de doutorado sobre contratos de adesão em meio eletrônico. Trabalho fruto de extensa pesquisa, aprofundada por uma "bolsa-sanduíche" que a agora nova Doutora desenvolveu no Canadá, analisou-se a validade de contratos de adesão que se consumam sob diferentes maneiras, conhecidas como shrink-wrap, click-wrap e browse-wrap. A experiência canadense permitiu a inclusão de diversos "cases" judiciais, em que se decidiu sobre a validade destes tipos de contratação. A leitura da longa tese, no entanto, deixou-me com uma sensação de vazio: onde estaria a jurisprudência brasileira?

Como todos somos consumidores, analisar a tese serviu para trazer à memória minhas próprias experiências pessoais. Há anos faço compras online e posso dizer que coleciono uma longa lista de boas experiências.

Minha primeira compra online tornou-se algo inesquecível: foi de um software, transferido por download. O software em questão, chamado Envoy, era leitor-gerador de um tipo de e-paper, então concorrente do formato PDF, no tempo em que este formato e a própria idéia de e-paper ainda era novidade, lá na segunda metade dos anos 90. Queria distribuir meus textos em e-paper, então analisei as opções disponíveis. O formato EVY parecia ser tão bom quanto o PDF e, segundo me lembro, até o New York Times o utilizava para distribuir material online, o que pesou bastante na minha escolha, além do fato de que o software Envoy que gerava os arquivos (o viewer era gratuito) custava cerca de um terço do preço do produto da Adobe. No entanto, por alguma razão mercadológica, a empresa que o produzia perdeu a batalha para a Adobe e o formato PDF, como todos bem sabem, tornou-se uma espécie de "padrão de fato". Bem... fiquei com um produto inútil e uma porção de arquivos em formato "misterioso" para os softwares atuais, mas não atribuo isso ao risco de uma compra online. O mercado de tecnologia é mesmo assim...

Mas não foi essa a "boa experiência" a que me referi. A boa experiência foi na contratação em si. Naquele tempo pré-histórico do comércio eletrônico, a empresa em questão anunciava o produto pela web, permitia um contato por e-mail, mas não havia nada de click-wrap ou browse-wrap: fechava-se o negócio por uma mensagem de fax, que nos pediam para assinar e enviar, com os dados do cartão de crédito e outras informações solicitadas! Como advogados vêem problemas em tudo, eu quase escrevi um longo contrato nesta mensagem. Descrevi em detalhes o produto que queria e, claro, insisti em mencionar explicitamente o preço do negócio, cujo valor eu expressamente autorizava debitarem do meu cartão de crédito. Lembro-me que demorei uns três ou quatro dias para enviar o fax de volta e, para minha supresa, depois que o enviei, vi que o produto entrara em oferta naquela semana, com um grande desconto girando em torno de 40%. E não é que me debitaram do cartão apenas o valor que entrou em oferta, embora eu tivesse autorizado, de "papel passado e assinado", um débito maior em meu cartão?

Já comprei muitos livros online. Nada a reclamar. Tudo muito correto e eficiente. Um outro episódio desses também me marcou profundamente. Estava uma tarde em meu escritório quando, entre a soma de um prazo processual e outro, notei que o prazo de entrega de meus livros já havia se escoado. Resolvi enviar um e-mail, em que, num texto curto e educado, apenas informei que ainda não havia recebido a encomenda e perguntei o que poderia ter ocorrido. Em resposta bastante lacônica, a loja online estrangeira apenas me pediu que eu confirmasse meu endereço de entrega. Diante da minha confirmação, sem que eu nada solicitasse, a empresa vendedora, por ato ex officio, simplesmente me disse que já estava providenciando um outro pacote, que chegaria dali a alguns dias.

Voltando meus pensamentos para a banca de Doutorado, vêm à minha mente os dizeres do Prof. Alcides Tomasetti Junior, com quem tive a honra de compartilhar a função de examinador. "A melhor proteção ao consumidor é a concorrência", sentenciou ali, durante sua arguição.

Alguns dias depois da banca, fiz mais uma compra online, desta vez mais ousada. Não foram livros, que são isentos de tributação, nem bugigangas baratinhas de lojas chinesas: resolvi comprar um Internet Tablet! Julguei que, mesmo com os impostos, o preço ainda valeria a pena. Valer a pena, ainda vou dizer que valeu, não estou arrependido porque o "brinquedinho" é bem interessante e não o encontrei em nenhum lugar aqui em SP... Mas nossos impostos, ah! como são escorchantes!

Além do imposto de importação de 60%, também incide em cascata o ICMS. Noutras palavras, o imposto que eu paguei à União é considerado "mercadoria" tributável pelo Estado. Somadas algumas taxas cobradas pela Infraero, este monumento da eficiência nacional, o Poder Público brasileiro ficou com mais de 100% do valor do bem.

Está aí: a melhor proteção ao consumidor brasileiro, no comércio eletrônico internacional, é a nossa tributação. É para não comprar...

Fiquem agora, com The Beatles (mas sempre é bom lembrar que os impostos que eles pagaram se tranformaram em serviços públicos britânicos, bem entendido?).

Taxman (Harrison)

1,2,3,4,1,2

Let me tell you how it will be,
There’s one for you, nineteen for me,
‘Cos I’m the Taxman,
Yeah, I’m the Taxman.
Should five per cent appear too small,
Be thankful I don’t take it all.
‘Cos I’m the Taxman,
Yeah, I’m the Taxman.

(If you drive a car), I’ll tax the street,
(If you try to sit), I’ll tax your seat,
(If you get too cold), I’ll tax the heat,
(If you take a walk), I’ll tax your feet.
Taxman.

‘Cos I’m the Taxman,
Yeah, I’m the Taxman.
Don’t ask me what I want it for
(Ah! Mister Wilson!)
If you don’t want to pay some more
(Ah! Mister Heath!),
‘Cos I’m the Taxman,
Yeeeah, I’m the Taxman.

Now my advice for those who die, (Taxman!)
Declare the pennies on your eyes, (Taxman!)
‘Cos I’m the Taxman,
Yeah, I’m the Taxman.
And you’re working for no-one but me,
(Taxman).

terça-feira, 7 de abril de 2009

O Direito à Criptografia

O aumento do uso de criptografia por pessoas investigadas pela polícia foi objeto de matérias jornalísticas divulgadas na mídia impressa e eletrônica, no início desta semana. Esta é uma questão sempre recorrente, não só no nosso país. A moderna criptografia - quando bem implementada e executada - realmente permite tornar arquivos e mensagens absolutamente indecifráveis... ao menos por algumas muitas décadas, o que já parece ser suficientemente seguro mesmo para as informações mais sensíveis.

Felizmente - mas isso pode ser somente minha expectativa pessoal - não percebi nessas matérias nenhuma forma de "campanha" implícita ou explícita contra o seu uso. É comum pretender relacionar a criptografia com atividades terroristas ou criminosas como parte do argumento para justificar sua proibição, restrição ou alguma forma de controle estatal sobre sua utilização. Na matéria veiculada na Folha, mesmo o representante do Ministério Público, ali entrevistado, disse não ver ilegalidade no uso da criptografia. Porém, afirma o membro do Parquet, segundo a mesma matéria: "O que me parece equivocado é ela constituir um obstáculo absolutamente intransponível à investigação".

Espero que a frase se trate apenas de um desabafo do Procurador. Ou o que se quis dizer por "equivocado"? Haveria outra alternativa possivel que não seja "equivocada"?

Criminosos também usam automóveis, motocicletas, aviões, computadores, roupas, óculos escuros... E circulam pela Internet, como também andam livremente pelas ruas. A criptografia moderna é mais um dado da realidade, que simplesmente existe e não importa o que a legislação venha a dizer ou como a tente reprimir, criminosos não deixarão de utilizá-la. Como gente "de bem" também poderá fazê-lo, de forma honesta e lícita, para proteger sua privacidade pessoal, seu patrimônio, suas informações sigilosas pessoais, comerciais, industriais, profissionais, especialmente para defender-se de criminosos digitais, privados ou públicos... Ou as oposições, para defender-se da bisbilhotice (e da masmorra...) dos Governos, mais ou menos democráticos, que existem pelo mundo afora. Temos por isso, no âmbito da Comissão de Informática da OAB-SP, estimulado o uso de criptografia pelos Advogados, como uma extensão lícita e inseparável do dever de sigilo profissional e da inviolabilidade do nosso exercício profissional.

E eu mesmo, como um curioso que vem estudando o assunto há mais de uma década, declaro aqui que já experimentei - e utilizo - diversos softwares criptográficos e tenho, no momento, alguns deles instalados nos meus computadores. Se a PF baixar por aqui, talvez encontre mais criptografia do que nos computadores dos seus investigados...

Assim, transcrevo e reitero o que escrevi em 2002, ao concluir o capítulo intitulado "O direito à privacidade e à criptografia", do meu trabalho publicado sobre o tema (Direito e Informática - uma aborgadem jurídica sobre a criptografia, Ed. Forense, 2002):
"Assim, à parte as questões da pouca efetividade de normas restritivas da criptografia, tratadas no item 3.2 deste Capítulo, importa afirmar a existência de um direito ao uso de criptografia forte como extensão do direito à preservação dos segredos, à intimidade e à privacidade, já que esta é a maneira mais eficiente hoje conhecida para proteção de dados. E mais: eventual lei proibindo o seu uso seria um atentado indireto às garantias individuais. Pois se existe tal direito ao segredo, é razoável permitir ao seu detentor o uso de todos os meios técnicos disponíveis para assim mantê-lo, principalmente se for considerado que, sem tal proteção, a informação se torna exageradamente vulnerável.

Pode-se questionar o uso da criptografia quando for ela utilizada para proteger dados não garantidos pela absoluta inviolabilidade jurídica, e forem eles necessários para instrução processual. Nestes casos, porém, é de se aplicar as regras já existentes na legislação. No processo civil, aplicam-se as regras quanto à exibição de documento, de modo que o não fornecimento de dados legíveis pode acarretar para a parte ou para o terceiro as conseqüências da recusa, à falta de motivo legítimo para não exibir: para a parte, a pena de confissão ficta; para o terceiro, a incursão no crime de desobediência, apenas, já que a medida de busca e apreensão seria inócua. No processo penal, a recusa de terceiro em decifrar o documento eletrônico pode igualmente configurar o crime de desobediência, caso a recusa não seja legítima; quanto ao próprio acusado, eventual recusa haverá de ser compreendida como exercício de seu direito a permanecer calado, não podendo o silêncio ser havido como prova de sua culpa".
E, para finalizar este post, fiquemos com a irretocável frase de Phill Zimmermann:

"If cryptography is outlawed, only outlaws will have cryptography" (se a criptografia for considerada fora da lei, apenas os fora-da-lei terão criptografia).

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Será o fim do SPAM telefônico?

A Lei Estadual nº 13.226, DE 7 DE OUTUBRO DE 2008, possivelmente inspirada no serviço norte-americano National Do Not Call Registry, prevê a criação de um cadastro voluntário de assinantes de linhas telefônicas, tanto móveis como fixas, que não desejam ser incomodados com chamadas de telemarketing, o chamado "telemarketing ativo".

Referida lei foi regulamentada em seguida, pelo Decreto Estadual nº 53.921, de 30.12.2008, e desde o dia 27 de março a Fundação Procon já está recebendo os pedidos de assinantes que não desejam receber as tais chamadas. A empresa de telemarketing que fizer um chamado a usuário cadastrado estará sujeita às infrações administrativas previstas no Código de Defesa do Consumidor.

Apesar do barulho que sempre foi feito em torno do envio de SPAM pelo correio eletrônico, sempre considerei que tais chamadas por telemarketing ativo fossem muito mais invasivas de nossa privacidade e atentatórias ao nosso sossego do que as famigeradas mensagens eletrônicas. Não se nega aqui que o SPAM seja uma praga; no entanto, parece-me muito pior receber telefonemas aos sábados ou domingos pela manhã ou à noite, em sua própria residência, por um atendente que invariavelmente sabe seu nome, vez que se vale da lista de assinantes, e se mostra costumeiramente insistente em suas ofertas.

Embora tal iniciativa mereça aplausos como uma sinalização de que o vale-tudo publicitário deve ser regrado e de que o Estado está despertando para uma proteção mais efetiva da privacidade e do sossego individuais, tomando medidas mais concretas neste sentido, algumas dúvidas ainda pairam no ar.

Em que medida o Estado federativo teria competência para tal determinação? E, em sendo competente, qual a abrangência da proibição e qual a capacidade de autuar-se empresas sediadas fora do Estado?

Além disso, numa passada de olhos preliminar sobre os textos da Lei e do Decreto, fiquei com uma certa sensação de incompletude... mas me reservo para comentários mais alongados numa próxima oportunidade.

Por enquanto, vou cadastrar os meus telefones!

quarta-feira, 4 de março de 2009

Urna eletrônica

Em eleições passadas, o TSE utilizou espaço em mídia não para conscientizar o eleitor sobre a importância de seu voto, mas sim para fazer verdadeira apologia à urna eletrônica, que passou a ser a grande estrela das nossas eleições, mais festejada às vezes do que a própria democracia.

Manifestações contrárias à urna eletrônica são repudiadas, com a mesma ênfase que se dava a qualquer crítica que se fizesse ao país, na época do ame-o ou deixe-o.

Poucos foram os que ousaram questionar a urna eletrônica. Isso seria equiparado a um brasileiro torcer pela Argentina em um jogo contra a nossa seleção. Deveria ser motivo de orgulho o Brasil ter superado países muito mais desenvolvidos tecnologicamente e que até hoje não conseguiram informatizar suas eleições.

Mas é exatamente isso o que precisa ser questionado: por que só o Brasil conseguiu desenvolver um sistema que permite o voto eletrônico, quando EUA, Japão, Alemanha, etc., ainda utilizam o papel para manifestação do voto? Afinal, um sistema que simplesmente soma votos não é tão difícil assim de escrever.

A resposta é simples: não desenvolveram porque não quiseram, porque cidadãos conscientes querem ter certeza de que seu voto foi computado para o candidato correto.

Um mais um são dois: mas um sistema que calculasse essa equação poderia concluir que são três. Basta o programador, propositalmente ou não, escrever o sistema com essa falha.

Nada assegura ao eleitor que, ao clicar no botão de confirmação, terá o seu voto computado corretamente ao seu candidato. Nada, a não ser a palavra dos ministros do TSE, que ao longo dos anos vêm afirmando a lisura da urna eletrônica. Só que é da essência da democracia a possibilidade do cidadão conferir a veracidade de uma informação, sem que isso possa ser compreendido como questionamento à integridade de quem quer que seja. Até porque os sistemas da urna eletrônica não foram escritos pelos Ministros do TSE, mas por técnicos em informática, e estes, tal qual os próprios Ministros, estão sujeitos a equívocos.

A recente notícia divulgada pela imprensa, de uma decisão do Tribunal Constitucional Alemão, declarando que o uso de urna eletrônica em eleições ocorridas em 2005 fere o direito a uma eleição pública, e que um "evento público" como uma eleição implica que qualquer cidadão possa dispor de meios para averiguar a contagem de votos, bem como a regularidade do decorrer do pleito, sem possuir, para isso, conhecimentos especiais, deve servir para que todos possam refletir sobre a questão.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Déjà vu

Notícia divulgada hoje informa que o México estuda medidas para combater o uso de celulares por criminosos, especialmente os modelos pré-pagos. E a solução encontrada pelos legisladores daquele país foi cadastrar todos os 80 milhões de aparelhos pré-pagos, inclusive com a colheita das impressões digitais do assinante! Segundo a matéria, criminosos mexicanos usam o aparelho para "extorsão e negociação para resgate de prisioneiros", "alguns deles operando a partir de prisões".

Parece familiar, não?

Pois é... aqui ao sul do Equador nós já fizemos, há anos, este cadastramento de celulares pré-pagos. Mas não consta que o uso dos aparelhos para o crime tenha sido eliminado, ou sequer diminuído significativamente; nem que eles não mais entrem em prisões...

Aliás, aqui no Brasil temos uma verdadeira mania de tentar (note que está grifado) cadastrar a tudo e a todos em nome de um suposto combate à crescente criminalidade. Já cadastramos os pré-pagos, já se instituiu cadastro de usuários de lan-houses e similares, já temos a ICP-Brasil que, em nome de uma segurança que não existe, quer transformar todos os brasileiros em um número único (ou chave única, o e-CPF), além de propostas da Justiça Eleitoral de cadastrar eletronicamente dados biométricos dos eleitores. Deve haver mais alguns que agora me fogem à memória...

Ficando, por ora, apenas no cadastramento de celulares, começo por relembrar aquele "glorioso" momento histórico:

A imprensa falada e escrita fez seguidas e chamativas matérias sobre o cadastramento dos aparelhinhos, mostrando o uso pernicioso que os meliantes faziam deles. Com um toque de ironia, eu costumava dizer que até parecia todos os males do país eram causados pelos celulares pré-pagos. Pois bem... fizemos o cadastro! E me recordo bem de como eu fiz o meu cadastro, já que naquela época eu também tinha um celular pré-pago. Passeando por um shopping center da cidade, aproveitei o ensejo para me dirigir à loja da operadora e cumprir mais este meu dever de cidadão. Mas, para o cadastramento ser efetuado na loja, a atendente me informou que eu precisaria estar munido de alguma documentação que eu não trazia comigo naquele momento (e se minha memória não está me traindo, era necessário apresentar algum comprovante de endereço: contas de água, luz, estas coisas que o leitor deve conhecer bem...).

PORÉM... fui informado ali mesmo na loja que eu poderia fazer o cadastramento pela Internet!

- Como? E os documentos?

- Se fizer pela Internet, não é necessário apresentar documentos!

E aí, claro, este cidadão entrou no website da operadora de telefonia e, cumpridor de seus deveres, fez o seu cadastro informando seus dados verdadeiros. Imagino que traficantes, sequestradores, contrabandistas, corruptos e malfeitores de toda espécie, comovidos pela campanha patriótica, também informaram os seus dados verdadeiros... E, como o leitor pode observar, o uso de celulares por criminosos acabou, não acabou? Em presídios, então...

Enfim, ao ler a matéria sobre nuestros hermanos mexicanos senti um forte sabor de déjà vu. Precisamos aprender que cadastrar populações inteiras é o tipo de medida que, isoladamente, parece ser inócua para atender a qualquer expectativa de segurança. Só se consegue, com isso, afrontar a privacidade daqueles que cumprem a lei - e que cumprem, inclusive, a lei que determina o cadastro. E seus dados ficam ali armazenados, sob garantias de proteção muito pouco esclarecidas (provavelmente, nenhuma...), sendo potencial foco de insegurança para si e sua família.

Já quem está à margem da lei, certamente vai fraudar o próprio cadastro.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Interrogatório por videoconferência: um equívoco disfarçado de modernização

Com a promulgação da Lei nº 11.900/2008, a videoconferência de presos volta ao centro das discussões. A OAB-SP tem insistentemente se posicionado contrária a tal medida, não porque resiste à inovação tecnológica ou à modernização do Poder Judiciário, que representam anseios da Advocacia nacional, mas porque a informatização do processo judicial deve respeitar as garantias constitucionais e processuais.

Em recente artigo, que assino em co-autoria com Luiz Flávio Borges D'Urso, publicado no Consultor Jurídico (leia aqui), procuramos mais uma vez ressaltar os problemas trazidos pelo polêmico interrogatório por videoconferência, merecendo destaque as dificuldades práticas que trará para a defesa do acusado.

A informatização da Justiça brasileira caminha claudicante, sem verbas suficientes para torná-la mais ágil e eficiente e, no entanto, serão feitos investimentos em uma extensa rede de sistemas de videoconferência, que permitam conectar todos os presídios a todas as Varas Criminais do Estado. E isso não vai custar barato! Não bastasse ser terrível contrapor motivos de ordem econômica como compensadores dos prejuízos causados ao direito de defesa, ainda parece evidente que o argumento é falacioso. Não se vislumbra a alardeada economia.

O transporte de presos não vai terminar e, portanto, continuarão a existir tanto o seu custo financeiro como os seus riscos. De um lado, o interrogatório por videoconferência, tal como previsto na nova lei, é medida excepcional que, se cumprido o seu texto, haverá de ser realizado em percentual mínimo de casos. Noutras palavras, serão feitos investimentos em equipamentos e canais de comunicação que permanecerão ociosos grande parte do tempo. De outro lado, certamente ainda haverá transferência de presos de um local para outro, que não o Fórum.

É curioso notar ainda que, se o Estado pensa em fazer economia, para o acusado o custo do processo aumentará. Seu defensor precisará se deslocar para o presídio, que pode eventualmente não estar localizado na mesma Comarca em que corre o processo, onde em regra o Advogado estaria estabelecido. Nas circunstâncias em que a videoconferência é realizada, com acusado de um lado e juiz, autos, testemunhas e estrutura judiciária de outro, uma boa atuação envolveria a presença de Advogados em ambos os locais, e com capacidade de falarem entre si por um canal privativo, mas é claro que esta é uma opção impossível para o orçamento da imensa maioria dos réus presos. E, pergunta-se, quem cobrirá estes custos quando o réu for defendido pela Assistência Judiciária, situação que atinge a imensa maioria dos réus presos?

Muitas dificuldades que nossa Justiça enfrenta poderiam ser tratadas com um uso mais eficiente da tecnologia, mas faltam-lhe recursos para tanto; contudo, recursos volumosos serão gastos com equipamentos voltados à prática de um único ato processual, que só ocorre uma vez por processo, e só funcionarão em uma parcela minoritária de casos, os de presos perigosos ou enfermos. Não é difícil perceber que a solução mais simples, realmente mais barata e que, principalmente, atenderia ao princípio da ampla defesa, seria deslocar o Juiz ao presídio.

Nem sempre o emprego de tecnologia é a solução correta para um dado problema...

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Meu escritório embaixo da árvore

O ano de 2009 se inicia e, como sempre, mais novidades tecnológicas virão. Cada vez mais, as tendências apontam para a mobilidade. Nos últimos meses, notebooks despencaram de preço, mas podem sofrer uma concorrência inusitada: a dos celulares.

Passei a virada de ano com o aparelho da foto, que recebi da própria Nokia, a fim de testá-lo por um mês (ser meio "nerd" tem lá suas vantagens...). É um dos modelos "top de linha" da marca, com uma tela maior, funções multimídia e o mesmo poder dos computadores que tive no final dos anos 90. Impressiona ver o quanto meros telefones estão se tornando computadores potentes.

Matéria publicada no UOL ("De travar o carro a pagar contas: saiba o que o seu celular vai fazer") abriu o novo ano relacionando os múltiplos usos previstos para essa tecnologia móvel. Merece destaque, na notícia citada, o uso do celular como meio de pagamento. Embora não haja menção a isso na reportagem, tal funcionalidade deve necessariamente envolver o uso de assinaturas digitais.

Venho dizendo há anos que a única maneira de se pensar em dar portabilidade com segurança ao uso de assinaturas digitais exigiria que o signatário carregasse consigo não apenas a chave de assinatura, mas o seu próprio sistema gerador de assinaturas, que lhe permita conferir por seus meios aquilo que vai assinar. Confesso que sempre fiz tais afirmações pensando no uso de palmtops e não escondendo algum ceticismo quanto ao uso maciço deles pela população... Mas agora temos os celulares como uma alternativa viável, pois estão se tornando muito populares e contam com suficiente poder de processamento para tais tarefas.

Preocupa-me, no entanto, a idéia de deixar chaves privadas de assinatura guardadas em dispositivos permanentemente conectados. A questão da segurança contra apropriação indevida da chave precisa ser muito bem analisada e discutida.

Como advogado, por outro lado, fico inevitavelmente pensando no que mais, além de falar, um celular poderia nos servir no exercício profissional. Acessar de qualquer lugar os websites de uma Justiça que cada vez mais estará online é sem dúvida a utilidade mais evidente. E na medida em que o escritório também possa ser acessado pela grande rede, teremos a sensação de levá-lo no bolso.

Sinto a falta de melhores aplicativos para escritório para usar no celular. Certamente virão. A dúvida é se serão softwares instalados no aparelho ou aplicações que rodarão na web, naquilo que vem sendo chamado de "computação em nuvem". Em 2009, talvez já apareçam algumas respostas.

Durante uma viagem de férias, uma década atrás, ao passar por uma bela árvore em meio a um convidativo gramado, brinquei com minha esposa que um dia, com um notebook, Internet e assinaturas digitais, poderia mudar meu escritório para aquela deliciosa sombra. Conforme o tempo passa, fica difícil saber com que tipo de aparelho irei trabalhar ali.