Notícia divulgada hoje informa que o México estuda medidas para combater o uso de celulares por criminosos, especialmente os modelos pré-pagos. E a solução encontrada pelos legisladores daquele país foi cadastrar todos os 80 milhões de aparelhos pré-pagos, inclusive com a colheita das impressões digitais do assinante! Segundo a matéria, criminosos mexicanos usam o aparelho para "extorsão e negociação para resgate de prisioneiros", "alguns deles operando a partir de prisões".
Parece familiar, não?
Pois é... aqui ao sul do Equador nós já fizemos, há anos, este cadastramento de celulares pré-pagos. Mas não consta que o uso dos aparelhos para o crime tenha sido eliminado, ou sequer diminuído significativamente; nem que eles não mais entrem em prisões...
Aliás, aqui no Brasil temos uma verdadeira mania de tentar (note que está grifado) cadastrar a tudo e a todos em nome de um suposto combate à crescente criminalidade. Já cadastramos os pré-pagos, já se instituiu cadastro de usuários de lan-houses e similares, já temos a ICP-Brasil que, em nome de uma segurança que não existe, quer transformar todos os brasileiros em um número único (ou chave única, o e-CPF), além de propostas da Justiça Eleitoral de cadastrar eletronicamente dados biométricos dos eleitores. Deve haver mais alguns que agora me fogem à memória...
Ficando, por ora, apenas no cadastramento de celulares, começo por relembrar aquele "glorioso" momento histórico:
A imprensa falada e escrita fez seguidas e chamativas matérias sobre o cadastramento dos aparelhinhos, mostrando o uso pernicioso que os meliantes faziam deles. Com um toque de ironia, eu costumava dizer que até parecia todos os males do país eram causados pelos celulares pré-pagos. Pois bem... fizemos o cadastro! E me recordo bem de como eu fiz o meu cadastro, já que naquela época eu também tinha um celular pré-pago. Passeando por um shopping center da cidade, aproveitei o ensejo para me dirigir à loja da operadora e cumprir mais este meu dever de cidadão. Mas, para o cadastramento ser efetuado na loja, a atendente me informou que eu precisaria estar munido de alguma documentação que eu não trazia comigo naquele momento (e se minha memória não está me traindo, era necessário apresentar algum comprovante de endereço: contas de água, luz, estas coisas que o leitor deve conhecer bem...).
PORÉM... fui informado ali mesmo na loja que eu poderia fazer o cadastramento pela Internet!
- Como? E os documentos?
- Se fizer pela Internet, não é necessário apresentar documentos!
E aí, claro, este cidadão entrou no website da operadora de telefonia e, cumpridor de seus deveres, fez o seu cadastro informando seus dados verdadeiros. Imagino que traficantes, sequestradores, contrabandistas, corruptos e malfeitores de toda espécie, comovidos pela campanha patriótica, também informaram os seus dados verdadeiros... E, como o leitor pode observar, o uso de celulares por criminosos acabou, não acabou? Em presídios, então...
Enfim, ao ler a matéria sobre nuestros hermanos mexicanos senti um forte sabor de déjà vu. Precisamos aprender que cadastrar populações inteiras é o tipo de medida que, isoladamente, parece ser inócua para atender a qualquer expectativa de segurança. Só se consegue, com isso, afrontar a privacidade daqueles que cumprem a lei - e que cumprem, inclusive, a lei que determina o cadastro. E seus dados ficam ali armazenados, sob garantias de proteção muito pouco esclarecidas (provavelmente, nenhuma...), sendo potencial foco de insegurança para si e sua família.
Já quem está à margem da lei, certamente vai fraudar o próprio cadastro.
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