terça-feira, 18 de maio de 2010

O novo CPC e a informatização do processo

A notícia publicada ontem no Valor Econômico já ganhou suficiente destaque e não deve ser uma novidade para o leitor deste blog. Há "clippings" dela por toda a Internet. Já recebi uns três, só hoje... Segundo a manchete, auto-explicativa, "Processo eletrônico pode deixar metade dos servidores sem função" (leia aqui, ou aqui).

Não há o que comentar. É o óbvio! O Poder Judiciário deve ser uma das últimas instituições do planeta, públicas ou privadas, que emprega elevado contingente de pessoas para as tarefas artesanais de furar, grampear, carimbar e juntar papéis. Eu só não diria que os funcionários ficarão "sem função". Ficarão sem essas funções.

Necessidade existe e existirá de trabalho inteligente de apoio ao trâmite processual e aos julgamentos, ou de auxílio no desenvolvimento das audiências ou na tentativa de conciliação, ou para o cumprimento ou execução das muitas decisões que não podem ser efetivadas eletronicamente (citação e intimação pessoais, busca e apreensão de pessoas ou coisas, penhora de bens móveis, despejos, para citar alguns exemplos). O problema reside em saber se o Judiciário conseguirá, de modo ágil e eficiente, migrar os que hoje manuseiam papéis para essas tarefas, que hoje também representam grandes gargalos para o desenvolvimento do processo e entrega da prestação jurisdicional.

Mas a questão que me proponho a analisar é outra. Funcionários ficarão sem (essas) funções porque a informatização tende a modificar o trâmite do processo tal como o conhecemos hoje. E, arrisco dizer, pode modificar um bom tanto da sua essência e não apenas a sua forma.

Paralelamente, assistimos aos trabalhos iniciais da Comissão de Reforma do CPC, recém criada por determinação do Senado Federal. Tenho cá minhas dúvidas sobre a conveniência da elaboração de um novo CPC; não estou certo de que tal empreitada produzirá aquele principal resultado que a sociedade mais necessita neste momento: que as lides sejam julgadas em tempo razoável. Depois de anos de reformas processuais prometendo efetividade e só se observando mais morosidade, parece ter ficado claro que o problema não está na lei.

Mas, para ficarmos restritos à temática abordada neste blog, faço-lhes as seguintes perguntas, para reflexão:

Se, por conta da informatização, o Judiciário e o Processo estão passando por formidáveis alterações - cujos resultados finais não são ainda completamente conhecidos - será conveniente criar um novo Código agora? Ou seria melhor esperar a finalização e os resultados dessa informatização, quando, então, uma nova legislação já poderia comtemplar a nova realidade automatizada?

Será que o novo CPC já não nascerá velho, talvez até tornando-se obsoleto nos próximos cinco anos, quando todos os processos estiverem completamente informatizados? E será necessário revisá-lo amplamente, diante da nova realidade?

sábado, 8 de maio de 2010

Críticas à votação totalmente eletrônica - II

Prosseguindo nesta série de considerações sobre votações totalmente eletrônicas, tentarei resumir neste pequeno texto as opiniões da Dra. Rebecca Mercuri. Como mencionei no texto anterior, Bruce Schneier afirma que "o" web site sobre votações eletrônicas é justamente o dela (aqui). Em breve apresentação, ela é PhD pela Universidade da Pensilvânia e considerada uma das maiores especialistas em votações por computador. Sua tese, "Electronic Vote Tabulation: checks and balances", analisa amplamente a questão. Alguns outros textos seus, mais curtos e disponíveis na web, cuja leitura é recomendada, são:

Paper v. Electronic Voting Records – An Assessment

Rebecca Mercuri's Statement on Electronic Voting


Neste último, curto e direto, a Dra. Mercuri resume as razões pelas quais, como dito desde logo no primeiro parágrafo, ela é "firmemente contrária ao uso de qualquer sistema totalmente eletrônico ou baseado na Internet para uso em votações eletrônicas anônimas e aplicações de totalização dos votos" (grifei).

Um detalhe que merece destaque nessa frase: "votações anônimas", ou, noutras palavras, o voto secreto. Para quem pensa que a tecnologia pode tudo, o grande complicador para a realização de eleições totalmente eletrônicas é conciliar a auditabilidade com o sigilo do voto. Registros eletrônicos, por imateriais, são amplamente manipuláveis. Essa é, aliás, a dificuldade em aceitá-los como prova em um processo judicial (v. a esse respeito, meu já decenal artigo sobre "O documento eletrônico como meio de prova"). A confiabilidade de registros eletrônicos é fortemente dependente da possibilidade de rastreá-los e identificá-los. Sem isso, são frágeis como palavras escritas na areia. Mas como o sigilo do voto é um valor fundamental do regime democrático, caímos então em um problema intratável.

Voltando à Dra. Rebecca Mercuri, destaco aqui alguns dos seus argumentos que considero mais significativos, extraídos da relação apresentada no segundo texto supra citado. Começando pelo mais simples e explícito:

"Sistemas totalmente eletrônicos não proporcionam nenhum meio pelo qual o eleitor possa realmente verificar se o voto dado corresponde àquele que foi gravado, transmitido ou totalizado. Qualquer programador pode escrever um código que exibe uma coisa no vídeo, grava outra, e imprime ainda um outro resultado. Não existe nenhum jeito conhecido de assegurar que isso não está acontecendo dentro de um sistema de votação" (grifei).

Outra justificativa bastante significativa:

"A votação e tabulação eletrônicas transformam em meramente procedimentais as atividades desempenhadas pelos que trabalham na eleição, impugnantes e autoridades eleitorais, e removem qualquer oportunidade de realização de conferências bilaterais. Qualquer processo de eleição computadorizada é, pois, confiada ao pequeno grupo de indivíduos que programam, constroem e mantêm as máquinas de votação" (grifei).

Ou, ainda:

"Sistemas de votação eletrônicos sem impressão individual para exame pelo eleitor não proporcionam uma trilha auditável independente (apesar do fabricante afirmar o contrário). Como todos sistemas de votação (especialmente os eletrônicos) são passíveis de erro, a capacidade de também realizar uma contagem manual das cédulas é essencial".

Quem acredita que a impressão do voto, como defendida pelo relatório do CMInd e por muitos outros pelo mundo afora, é um retorno ao passado, na verdade vive num futuro ilusório que nunca chegou. A capacidade de realizar de modo totalmente eletrônico uma eleição secreta e democraticamente auditável ainda não foi descoberta (se é que será, pois se trata de um paradoxo conceitual) por ninguém. E, sinto dizer, nem pelos brasileiros, nem pelo TSE. Nossas eleições, como apontado no citado relatório, não são livre e independentemente auditáveis!

PS: Traduções deste autor-blogueiro. O texto original é encontrado nos hyperlinks indicados.