segunda-feira, 25 de março de 2013

Será o fim do papel? (3ª parte - FINAL)


No segundo texto desta série, argumentei que o papel sobrevive nos jornais e revistas de notícias, bem como nos livros, tão somente pela falta de um modelo de negócio viável. Jornais e revistas estão em passo mais adiantado na migração para um novo ambiente totalmente digital, pois o livro em papel encerra outras dificuldades práticas: a preocupação com a proteção do conteúdo autoral contra reprodução indevida é muito mais crítica do que a dos noticiosos.
Por outro lado, a tecnologia desenvolvida para impedir a cópia ilegal do livro digital (conhecida pela sigla DRM) costuma tornar o produto desinteressante ao leitor, por ser demasiadamente restritiva.
Além dos exemplos que dei no post anterior, acrescento que, há mais de uma década, tive uma má experiência nesse sentido, quando comprei um conhecido dicionário em formato digital.
O uso do dicionário eletrônico, sem dúvida, proporcionava uma experiência muitíssimo mais rica do que a da versão em papel, dadas as múltiplas formas de pesquisa que eram oferecidas. Minha alegria acabou quando fiz upgrade do meu sistema operacional, pois o dicionário já não era compatível com a nova versão, justamente por causa da DRM nele implementada. Foi, então, lançada em seguida uma nova versão do dicionário, compatível com a versão mais atual do sistema operacional. Bem... sendo assim, fiz contato com a editora e perguntei se teria direito a um upgrade, a preços reduzidos, já que havia comprado a versão anterior, agora obsoleta. E a resposta foi negativa. Se quisesse continuar a utilizar o dicionário eletrônico no novo sistema operacional, a única opção seria pagar novamente o seu preço integral, adquirindo o novo produto (o que eu reincidentemente fiz... e viria mais tarde a perder o uso dele quando passei a usar sistemas Linux).
Ora, pensei então, o dicionário em papel – que à época era mais barato do que o software – ainda estaria disponível na minha estante...
Com o avao da Internet, no entanto, novas opções surgiram para o oferecimento de livros digitais, criando um ambiente adequado ao desenvolvimento de produtos mais aceitáveis do que um software que fique vinculado a um único computador, ou a uma determinada versão de sistema operacional.
Surgiram nos últimos anos inicialmente apenas no mercado externo, mas aos poucos aportando no Brasil algumas novidades bem interessantes: a venda de exemplares digitais, com proteção ao conteúdo obtida mediante o uso de dispositivos específicos de leitura, os e-readers, ou leitores eletrônicos.
E tal modelo, fortemente calcado nas possibilidades trazidas pela Internet, parece ser algo muito mais palatável do ponto de vista do leitor, pois praticamente simula algumas das práticas que o livro em papel permitiria a ele.
A vertiginosa queda do custo de produção de computadores portáteis (basta lembrar que um notebook básico custava mais de 5 mil reais há cerca de seis anos) é o que permitiu a criação desse novo modelo. Um aparelho eletrônico de leitura, capaz de armazenar milhares de volumes, já é vendido a preços comparáveis aos de um livro um pouco mais caro.
Assim, basta comprar um pequeno aparelho, dotado de conexão à Internet, e nele ler os livros adquiridos nas lojas virtuais. Há razoável concorrência entre algumas grandes empresas que adentraram este mercado de livros digitais, cada qual com seu aparelhinho: a Amazon, maior livraria virtual do mundo, com o pioneiro Kindle, lançado no mercado norte-americano em 2007, e que em dezembro do ano passado finalmente chegou ao Brasil; a Barnes & Noble, outro livreiro gigante, lançou o Nook; há o canadense Kobo, também recém chegado ao mercado brasileiro com a oferta de obras nacionais em parceria com a Livraria Cultura; a Sony lançou o Reader; e ainda existem o JetBook e o Pocketbook; a gigante empresa de Internet, Google, por sua vez, oferece livros digitais na sua loja Google Play, que podem ser lidos em dispositivos com o seu sistema Android, ou em um computador PC, usando o navegador.
Não adquiri, claro, esses aparelhos todos, mas até onde pude me informar há entre eles um modelo de negócio bastante semelhante. O que falo a seguir é fruto de minha experiência específica com o Google Play e, mais profundamente, com o Kindle, da Amazon, mas creio que em linhas gerais se aplique aos demais.
Os livros adquiridos ficam na “nuvem” (tradução do termo inglês “cloud”, terminologia do mundo da informática que tem sido empregada para designar o armazenamento de dados ou o oferecimento de aplicativos editores de texto, por exemplo – que ficam hospedados em servidores de Internet e podem ser utilizados pelo cliente a partir de qualquer computador a ela conectado). Isto é, os livros ficam armazenados em uma conta pessoal mantida nos computadores da livraria virtual e podem ser baixados quando necessário para seus aparelhos eletrônicos de leitura, ou eventualmente para o próprio PC, mediante o uso de softwares específicos de leitura e gerenciamento de sua moderna “biblioteca”.
Com isso, há um certo controle a evitar a contrafação das obras (o arquivo baixado está protegido com tecnologias DRM), mas ao mesmo tempo oferece-se ao comprador um padrão de uso mais próximo daquele do livro em papel.
A Amazon, por exemplo, permite vincular até sete dispositivos a uma mesma conta do usuário, que pode por si, mediante acesso ao sistema de gerenciamento disponível pelo site, desconectar ou conectar aparelhos. Isso significa dizer que, ao comprar um livro, poderei lê-lo tanto no meu Kindle como em meu PC doméstico, ou no do escritório, ou, ainda, em um outro Kindle de minha esposa ou de meus filhos. Ora, se tenho dez livros na estante e pego um deles para ler, minha família não estaria impedida de ler os outros nove... Então, se comprei vários livros eletrônicos, enquanto leio um no meu Kindle, os meus filhos podem simultaneamente ler outros nos seus próprios dispositivos, ou no PC.
Além disso, o que me pareceu bastante convidativo, os livros também podem ser lidos em outros dispositivos móveis, pois há aplicativos de leitura gratuitos para os sistemas operacionais da Apple (para iPhone ou iPad) ou para os sistemas Android, presentes em diversas marcas de tablets ou celulares. Noutras palavras, para ler edições Kindle, nem sequer é necessário adquirir um aparelho Kindle!
Ou, ainda, em um desktop ou notebook padrão também é possível ler os livros, usando um aplicativo para PC (disponível para Windows ou Mac), ou simplesmente usando seu navegador (o que permite a leitura também em plataforma Linux!) por meio do link http://read.amazon.com e entrando no sistema com seu login e sua senha.
Outra interessante comparação: em uma livraria, é comum tirarmos livros da estante, folheá-los, ler pedacinhos do texto, ou examinarmos o índice. Se interessar, compramos. Também isso é possível nesse novo modelo eletrônico, só que remotamente: dá para pedir uma amostra grátis, que apresenta apenas uma parte inicial do livro, que é do mesmo modo instalada nos leitores eletrônicos. Podemos, então, conhecer um pouco mais a obra, antes de decidir se vale a pena comprá-la.
Parece-me, então, que tais modelos de venda são bastante razoáveis, porque não inibem o leitor de fazer um fair use dos livros pelos quais pagou, de modo muito próximo do que faria se tivesse adquirido livros físicos.
Há, no entanto, quem diga que não há experiência melhor do que ler um livro em papel. É mais agradável aos olhos. É bom folheá-lo, senti-lo... alguns românticos dizem gostar até do cheiro do papel (certamente não devem saber o que é ser alérgico à poeira...). O que posso retrucar, em resposta a essas pessoas? Nada! Argumentos racionais são passíveis de discussão; paixões ou gostos pessoais, não.
Pois eu já estou tão viciado em bugigangas eletrônicas, que prefiro ler nas telinhas (ou nas grandes, dos desktops) tudo o que for possível: documentos que clientes me enviam por e-mail, monografias de alunos (há anos que não recebo textos em papel de meus orientados, e lhes devolvo minhas obervações também em formato digital, eliminando impressões), minhas próprias petições judiciais, jurisprudência, notícias... e, nos últimos dias, estou lendo livros nas plataformas que mencionei aqui. Aos recalcitrantes acreditem! o papel não é tão melhor assim de ler, isso é só uma questão de costume. Costume esse que as novas gerações estão modificando sem pestanejar.
Nos últimos anos, tenho notado o crescente número de alunos que comparecem às aulas não com Códigos, nem carregando um pesado Vade Mecum, mas com notebooks e, mais recentemente, com tablets ou telefones celulares. Em tese, pode-se levar a legislação inteira do país em um moderno smartphone. E também usam os aparelhos para fazer anotações de aula. O caderno, para parte dessa nova geração, já acabou!
Da soma desses fatores (diria eu, especialmente porque o modelo é justo para com o leitor!), as vendas de livros eletrônicos têm atingido surpreendentes estatísticas. Segundo foi noticiado em janeiro de 2011, desde os três últimos meses de 2010 a Amazon norte-americana passou a vender mais livros digitais do que em papel. O Kindle foi lançado em 2007; bastaram, portanto, três anos para as edições eletrônicas superarem as vendas dos livros tradicionais. E isso se repetiu em seguida na filial do Reino Unido, onde o Kindle foi lançado em outubro de 2009: em meados de 2012, as vendas em formato digital superaram a dos livros físicos.
Vencido o desinteresse dos leitores, e criado um modelo de negócio viável para todas as partes envolvidas, ouso dizer mais uma vez que em todos os demais aspectos o formato eletrônico supera largamente o tradicional, desde os argumentos, digamos, “ecológicos”, relacionados à produção, transporte e descarte final do papel, como os relacionados à eficiência do modelo. Assim que comprarem um livro pela Internet, de sua casa ou escritório, a qualquer hora do dia ou da noite e, segundos depois, puderem vê-lo presente no seu mágico aparelhinho de leitura, entenderão do que estou falando.
E, do ponto de vista do autor, a publicação em livros eletrônicos reduz drasticamente o tempo de espera para que sua obra atinja o público, pois a velocidade obtida no universo dos bits é, nesse aspecto, algo insuperável: em tese, pronto e enviado o arquivo final, o livro poderá estar disponível à venda quase que imediatamente, em todo o mundo.
Encerro aqui esta sequência de três pequenos textos. Não foi meu objetivo convencer ninguém das vantagens deste ou daquele outro modelo, mas sim apresentar-lhes as informações que obtive e consequentes reflexões que desenvolvi nas últimas semanas, em que resolvi “brincar” um pouco com as opções de livro digital e ver como as coisas se encontram atualmente neste campo.
Posso ao menos dizer que, a mim, a elaboração e divulgação desses três pequenos textos serviram para discutir o assunto, seja on line ou pessoalmente, com meus relacionamentos profissionais e de amizade, o que foi importante para, juntamente com o material que levantei, ajudar na formação de minhas ideias sobre o assunto e na tomada de algumas decisões pessoais.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Será o fim do papel? (2ª Parte)


Terminei o post anterior com a afirmação de que há um campo em que o papel ainda parece resistir bravamente: a publicação de livros. E deixei a pergunta final: continuaremos a ler livros em papel?
Diferentemente do setor jornalístico, que, como se sabe, obtém receita pela publicidade, publicações autorais dependem da venda de exemplares.
Para o modelo de negócios do setor jornalístico, portanto, parece mais fácil encontrar guarida na Internet ou em outros formatos digitais. Isso porque a preocupação com a proteção do conteúdo não é algo tão relevante. Afinal, notícias ficam velhas logo. Ser capaz de vender jornais e revistas é importante para que o anunciante saiba qual o público que conseguirá atingir com a propaganda neles veiculada. Nos dias seguintes, aquele material todo não tem muito valor para a empresa de notícias (como também para o leitor!): a receita virá dos anúncios feitos nas edições seguintes.
No ambiente literário, entretanto, as coisas são diferentes. Autores, seus editores e o restante da cadeia econômica, que inclui distribuidores e livrarias, são remunerados pela venda dos exemplares dos livros, que, por sua vez, são produtos de utilidade muito mais duradoura do que jornais.
De certo modo, assim como para o mundo das notícias, o livro em papel ainda não morreu por dois motivos: o hábito inercial dos leitores e a falta de um modelo de negócio sustentável. Igualmente, se pensada apenas a eficiência da distribuição (como me referi no post anterior), o papel será surrado pelo meio eletrônico.
Por várias vezes na última década, no ambiente acadêmico, sustentei entre meus pares que já não havia sentido publicar revistas científicas em papel, a menos que houvesse ali alguma finalidade econômica. Instituições de ensino que apenas desejam divulgar sua produção científica – e invariavelmente costumam distribuir de graça, ou a preço de custo, os seus periódicos – não têm qualquer razão para continuar a publicar revistas em papel. A Internet permite reduzir o custo da publicação e ao mesmo tempo atingir um universo ilimitado de leitores, que podem localizar os artigos a partir das populares ferramentas de busca, vantagens que a restrita edição em papel jamais proporcionaria.
Quando, porém, a publicação de um livro ou revista de artigos é motivada por interesses também econômicos, tanto de seu autor como do restante da cadeia econômica correlata, o meio digital ainda parece ser um assustador pântano de dificuldades práticas.
O problema da migração para o livro digital reside na facilidade de replicação dos arquivos gerados nesse formato. O papel atua, no caso dos livros, não apenas como um mero suporte para transmissão da palavra: é também uma forma de controle e proteção sobre o produto econômico. Além, claro, da proteção legal aos direitos autorais, a reprodução ilícita de um livro sempre enfrentou outros óbices práticos que ajudavam a inibi-la: o custo da fotocópia em papel e a pior qualidade do resultado final. Melhor pagar por um livro do que por uma horrível resma de papel borrado e torto...
cerca de vinte anos, quando gravadores de CDs tinham custos proibitivos (se minha memória não me trai, quando foram lançados no Brasil custavam mais de 2 mil dólares) e os também caros discos rígidos dos computadores pessoais tinham capacidade em torno de uns 100 Mb (menos de um sexto da capacidade de um CD), a publicação de revistas de jurisprudência em CD-ROM pareceu ser um porto seguro para o editor. Lembro-me de ter adquirido duas ou três revistas neste formato, que já apresentavam largas vantagens sobre o papel, especialmente por não ocuparem prateleiras inteiras: uma centena de revistas do STJ cabia num pequeno disco de plástico! Claro, nos dias de hoje a distribuição de livros em um CD comum não representa qualquer proteção física para o editor.
Surgiram então, as tecnologias DRM (Digital Rights Management, ou Gerenciamento Digital de Direitos): técnicas que procuram impedir a duplicação de conteúdo digital. São tecnologias controvertidas, que enfrentam vigorosa oposição. Mas, à parte esta questão de cunho mais propriamente político, sem dúvida parece ser necessário encontrar um ponto de equilíbrio na proteção autoral de conteúdo digital.
O problema prático de algumas tecnologias DRM, especialmente as primeiras que surgiram, é que elas tornavam o livro digital um produto muito menos desejável do que o livro em papel. Apoiando-me apenas no que minha lembrança permitir (nem faço ideia de como recuperar essas informações perdidas no tempo, senão pela minha memória e a dos amigos leitores que quiserem colaborar...), recordo-me de ter visto ao longo dos anos alguns produtos com proteções tão complexas e restritivas que não despertei por eles o mesmo interesse que tive, por exemplo, em comprar a Revista do STJ em CDs, em meados dos anos 90.
Via de regra, os produtos eram registrados com códigos que os vinculavam a especificações de hardware de um determinado computador. Lembro-me até de um produto – só não consigo rememorar qual foi – que ainda vinha acompanhado de um pequeno aparelho a ser conectado na porta serial (ou seria na porta paralela?) do computador. O problema é que tais mecanismos não só impediam o uso do produto em outro computador também seu, como ainda causariam problemas quando da substituição ou manutenção daquele computador em que os livros ou revistas foram instalados. Se fosse necessário substituir o disco rígido, por exemplo, isso invalidaria o produto instalado... Um livro em papel, convenhamos, nos oferecia maiores possibilidades de uso.
Eram tempos pré-Internet...
A popularização da Internet e, especialmente, a sua constante melhoria de qualidade e velocidade da conexão, aliada à proliferação de dispositivos móveis capazes de acessá-la, parece abrir finalmente um campo promissor para modelos de negócio que consigam contrabalancear de modo mais equânime os dois interesses em jogo: a proteção do conteúdo e os direitos do leitor que adquiriu justamente um exemplar da obra. Sem isso, não haverá produtos viáveis, seja porque os leitores não se interessarão por eles, seja porque ficará comprometida a receita do autor.
A tecnologia tem buscado novos caminhos. Retomei meu interesse pelo tema neste início do ano de 2013 e tentei conhecer um pouco mais as novas opções disponíveis.
Estou tentado a afirmar que o livro em papel começou a morrer.
Continuo no próximo post.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Será o fim do papel?

De alguma forma, tenho feito esta pergunta a mim mesmo ao longo dos últimos 15 anos, desde que escrevi o artigo “O documento eletrônico como meio de prova” (que, aliás, foi originalmente publicado on line em 1998; somente em 1999, uma versão com ligeiros acréscimos seria publicada em papel na Revista de Direito Imobiliário).
Desde então, meu principal interesse acerca desse assunto sempre orbitou em torno de seus aspectos jurídicos: papéis que servem como instrumentos, ou como prova de atos e fatos jurídicos, poderiam ser substituídos por arquivos de computador? Ou, ainda, autos judiciais poderiam ser digitais? Estes novos fenômenos estão hoje nos alcançando, embora eu ainda considere que esta seja a fronteira mais difícil para a utilização dos meios digitais no lugar do velho papel, especialmente diante das muitas questões culturais ou ligadas à segurança estas nem sempre bem compreendidas que estão envolvidas nessa mudança. Mas já escrevi longas linhas sobre esse assunto e não é minha intenção, neste breve texto, resumir todos os aspectos envolvidos.
Ocorre que, por vezes, aquele esforço com que este advogado e professor de Direito Processual tenta abordar assuntos técnico-jurídicos ligados à Informática cede espaço às tentadoras especulações sobre aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais desta nossa nova sociedade da informação, temas diante dos quais eu talvez não seja mais do que um simples curioso. Nada como escrever em um blog, para podermos externar as nossas mais despreocupadas reflexões!
Como depois ressaltei em escritos posteriores, o fenômeno que prefiro chamar de “substituição do papel” é anterior ao desenvolvimento da Informática e ao aparecimento da Internet. Suportes físicos de fácil mobilidade como o papel e seus antecessores, o papiro e o pergaminho, foram por milênios o mais eficiente meio de fixar e transmitir a informação. Com o avanço tecnológico dos últimos dois séculos, o papel começou a ser substituído por meios intangíveis de transmissão da informação: vieram o telégrafo, o telefone, o rádio e a TV.
A correspondência epistolar e os jornais noticiosos começaram, então, a enfrentar a concorrência desses novos meios, que se afirmaram amplamente em nossa sociedade moderna. O uso de cartas na comunicação interpessoal perdeu sua primazia para o telefone. Mas o papel não desapareceu. Como veículo de notícias, mesmo diante dos seus novos concorrentes, encontrou seu espaço ao lado do rádio e da TV. Se estas levaram vantagem pelo imediatismo e pelo impacto que causam a voz falada e as imagens em movimento, as palavras escritas de jornais e revistas ainda resistiram pelo oferecimento de maior profundidade, pela sua portabilidade e, também, pela longevidade da fixação da informação, que pode ser arquivada para futura releitura.
Mas aí chegou a Internet...
Todos os veículos de notícia foram aos poucos criando as suas versões on line. Creio que não haja um só noticioso, seja da imprensa escrita ou falada, que hoje já não esteja presente na Grande Rede, ainda que nem sempre apresentando versões integrais de suas notícias.
Jornais e revistas em papel continuarão a existir?
Tomei uma posição pessoal e definitiva sobre essa pergunta há uns dois anos. Um erro da operadora de cartão de crédito, ou da própria própria empresa jornalística – nunca soube bem ao certo o que sucedeu – fez com que minha assinatura de jornal fosse acidentalmente cancelada. Lia esse jornal desde a infância, pois meu pai já o assinava. Adulto, segui com o hábito.
Certo dia, porém, sentindo falta do jornal, telefonei para o atendimento ao assinante, para perguntar o que tinha acontecido. E ouvi em resposta que o corte ocorrera havia quatro meses, por falta de pagamento! Por um instante, ainda ao telefone, fiquei mudo; em seguida, refletindo melhor, notei que deveria fazer muito mais de quatro meses que eu já não lia notícias no exemplar em papel... Ele provavelmente só era usado para embrulhar o lixo, se tanto. Perguntei apenas se eu devia algo e decidi deixar as coisas como estavam.
Sob todos os aspectos relacionados à eficiência, no mundo da notícia não há concorrência possível do papel com os meios digitais. O papel perde em todos eles. A Internet é ainda mais ágil e instantânea do que o rádio e a TV; dispensável se mostra compará-la com exemplares diários ou semanais. Jornais on line tornaram-se portáveis como o papel, diante da “onda” dos telefones celulares, tablets ou outros dispositivos móveis existentes ou a inventar. O jornal em papel precisa ser transportado até a cidade do leitor, enquanto a Internet está em praticamente todo o planeta. E é possível, se necessário, dar mais profundidade ao texto do que em publicações em papel, pois veículos digitais não sofrem restrições de espaço para encaixar a matéria na apertada diagramação.
Jornais e revistas em papel ainda não acabaram por dois motivos. O primeiro deles é que há leitores inerciais (por mero hábito romântico, ou por resistência à tecnologia) e, enquanto houver procura, haverá oferta. O outro, mais determinante, é a falta de um modelo empresarial comprovadamente sustentável para o jornal digital. De algum modo, ambos serão superados e isso é somente uma questão de tempo. Quanto ao segundo aspecto, é possível afirmar que encontrar o modelo sustentável no momento certo é o que determinará a seleção das empresas de notícias que continuarão a existir no futuro. Por enquanto, todas elas estão fazendo suas experiências e apenas flertando com o novo paradigma, na tentativa de conhecer melhor um futuro que certamente chegará.
Mas o que realmente me animou a refletir sobre a pergunta do título é notar que há um outro campo em que o papel ainda parece reinar com larga folga: o do mercado editorial.
O livro eletrônico já não é novidade, mas o papel, aqui, ainda parece resistir com tenacidade ao avanço da tecnologia.
Continuaremos ainda a ler livros em papel?
Deixo essa questão para o próximo post.

sábado, 16 de março de 2013

Dedos de silicone e a violação do INFOSEG: os limites da segurança informática.

"If you think technology can solve your security problems, then you don’t understand the problems and you don’t understand technology ("Se você pensa que a tecnologia pode resolver os seus problemas de segurança, então você não entende os problemas nem entende a tecnologia", em minha tradução livre).

Não encontro melhor maneira de iniciar este texto, senão citando, pela enésima vez (já está se tornando uma das citações que faço com mais frequência!) essa frase de Bruce Schneier. Os gestores de informática (especialmente do setor público de nosso país) e nossos legisladores deveriam mandar enquadrá-la e pendurá-la na parede de seus gabinetes. Ou repeti-la, como um mantra, todas as manhãs, durante o café.

As notícias publicadas nos últimos dias, como salientei no título deste post, são mais dois exemplos do inegável acerto da mensagem de Schneier, que se somam aos muitos e muitos exemplos de outras ocorrências do nosso passado recente (e isso é tema recorrente aqui no blog, como tratado neste texto de 2010 cuja leitura lhes indico).

O uso de dedos de silicone por uma médica do SAMU para marcar o ponto de colegas ausentes foi até motivo de piadas e charges nas redes sociais, de tão burlesca que foi a fraude. O uso da biometria costuma inspirar nos desavisados uma falsa sensação de segurança. Não que a biometria não seja uma tecnologia interessante... O problema é que a biometria não é uma panacéia geral, algo que possa ser usado em quaisquer circunstâncias e para quaisquer fins, e isoladamente de outros mecanismos de proteção e repressão. O uso remoto de identificação biométrica, por redes como a Internet, por exemplo, é algo que beira a tolice.

Mesmo em ambientes adequados, em que a identificação biométrica é feita presencialmente, ainda assim esta técnica não é nada mais do que um dos elos de uma corrente de segurança. A biometria por impressões digitais (que o TSE também começou a utilizar) já foi comprovadamente violada por "atalhos" como esse, utilizado pela médica do SAMU. O que o fato traz de "novidade", é que os meios de executar esta fraude já estão largamente "popularizados".

Mas mesmo que o ponto eletrônico utilizasse outros elementos biométricos mais difíceis de simular com objetos inanimados (mapeamento de vasos sanguíneos ou da retina, por exemplo), de nada adiantaria a mais moderna tecnologia se, à falta de outros controles, o funcionário puder, por exemplo, "bater o ponto" e voltar para casa. A tecnologia só lhe causaria o desconforto de ir até lá. Ou se o restante do sistema, a base de dados gerada, ou a resposta (esta necessariamente uma tarefa humana) a esses dados não forem eficientes, o ponto biométrico será inútil...

A outra má notícia (o link aponta para a primeira da série de matérias diárias produzidas nesta semana que passou, pelo SBT) retrata o lado perverso da formação de bases de dados com cadastros populacionais. Pode-se dizer que alguns têm (e creio que não seja apenas no Brasil) uma verdadeira tara por cadastrar a tudo e a todos, como se a formação de imensas bases de dados pessoais fossem servir, por si só, para propiciar alguma segurança. E como se não pudessem também ser usadas para o mal.

Aliás, desconfio que seu potencial uso para o mal é algo que tende a superar a sua finalidade desejável. Não é à toa que os limites à formação de cadastros populacionais são objeto de rigorosa legislação nos países da Europa. As más experiências do Velho Continente devem tê-lo levado a isso.

Pois a citada reportagem aponta que crackers estão vendendo, por 2 mil reais, senhas de acesso ao sistema INFOSEG, um megacadastro populacional do Ministério da Justiça, criado com o objetivo de combater a criminalidade. Criminosos compram esse acesso e usam os dados para praticar dezenas de golpes variados, de falsa abertura de contas bancárias a "esquentar" veículos roubados com dados verdadeiros. É um escândalo (digo, para padrões civilizados, pois aqui no Brasil já nada mais escandaliza...)!

Pelos detalhes divulgados no jornal televisivo, não apenas as senhas foram fornecidas, mas o cracker também logrou instalar alguma espécie de módulo de segurança no computador dos jornalistas que conduziam a reportagem. Possivelmente, usou-se desse recurso no sistema INFOSEG para impedir que computadores estranhos aos órgãos de segurança pudessem acessar os dados (não se deu mais detalhes, mas arriscaria dizer que deve ser algo como um desses "módulos de segurança" em javascript usados em internet banking).

Como se vê, a tecnologia não foi capaz de impedir um cracker (seria mesmo um invasor de sistemas ou um criminoso interno ao INFOSEG?) de conseguir algumas senhas e de levar para casa todos os módulos de segurança que deveriam restringir o acesso indevido ao sistema (mais uma salva de palmas a Schneier!).

O que realmente causa espécie, como já salientado neste outro post aqui do blog, é como se pode distribuir amplamente as senhas de um sistema como esse, que guarda dados sensíveis de toda a população. Os jornalistas apuraram que a senha "vendida" pertencia, ou deveria pertencer, a um Policial Militar de Alagoas. Parece muito óbvio que, independentemente de falhas ou de ataques externos, um sigilo compartilhado entre milhares de pessoas já não é mais um segredo.