No
segundo texto desta série, argumentei
que o papel sobrevive nos jornais e revistas de
notícias, bem como nos livros, tão somente pela falta de um modelo
de negócio viável. Jornais e revistas estão em passo mais
adiantado na migração
para um novo ambiente totalmente digital, pois
o livro em papel encerra
outras dificuldades práticas:
a preocupação com a proteção do conteúdo autoral contra
reprodução indevida é muito mais crítica
do que a dos noticiosos.
Por
outro lado, a tecnologia
desenvolvida
para impedir a cópia
ilegal do livro digital
(conhecida pela sigla DRM)
costuma
tornar o
produto desinteressante ao leitor, por ser
demasiadamente restritiva.
Além
dos exemplos que dei no post anterior, acrescento que, há mais de uma década, tive
uma má experiência nesse sentido, quando comprei
um conhecido dicionário em formato digital.
O
uso do dicionário
eletrônico, sem
dúvida, proporcionava
uma experiência muitíssimo mais
rica do que a
da versão
em papel, dadas as múltiplas formas de pesquisa
que eram oferecidas.
Minha alegria acabou quando fiz upgrade
do meu sistema operacional, pois o dicionário já não era
compatível com a nova
versão, justamente
por causa da DRM nele
implementada. Foi,
então,
lançada em seguida uma
nova versão do dicionário,
compatível com a versão
mais atual do
sistema operacional. Bem...
sendo assim, fiz
contato com a editora e
perguntei se teria direito a um upgrade,
a preços reduzidos, já que
havia comprado a versão anterior, agora obsoleta.
E a
resposta foi negativa. Se
quisesse continuar a utilizar
o dicionário eletrônico no novo sistema operacional, a
única opção seria pagar
novamente o seu preço integral, adquirindo
o novo produto (o
que eu reincidentemente
fiz... e viria mais tarde
a perder o uso dele
quando passei a usar sistemas
Linux).
Ora,
pensei então, o
dicionário em papel – que à época era mais
barato do que o software
– ainda estaria disponível na
minha estante...
Com
o avanço
da
Internet,
no entanto,
novas opções surgiram
para o oferecimento
de livros
digitais,
criando um ambiente adequado
ao desenvolvimento
de produtos mais aceitáveis
do que um
software que fique
vinculado a um único computador, ou
a uma determinada
versão de
sistema operacional.
Surgiram
nos últimos anos –
inicialmente apenas no
mercado externo, mas
aos poucos aportando no
Brasil –
algumas novidades
bem interessantes: a venda de
exemplares digitais, com proteção ao conteúdo obtida mediante o
uso de dispositivos específicos
de leitura, os e-readers,
ou leitores eletrônicos.
E
tal
modelo, fortemente calcado nas possibilidades trazidas pela Internet,
parece ser algo muito mais palatável do ponto de vista do leitor,
pois praticamente simula algumas das práticas que o livro em papel
permitiria a ele.
A
vertiginosa queda do custo de produção de computadores portáteis
(basta lembrar
que um notebook básico
custava mais de 5 mil reais há cerca de seis
anos) é o que permitiu a criação desse novo modelo. Um
aparelho eletrônico de leitura, capaz de armazenar milhares de
volumes,
já é vendido a
preços comparáveis aos de
um
livro um pouco
mais caro.
Assim,
basta comprar
um
pequeno aparelho, dotado de
conexão à Internet, e nele ler
os livros adquiridos
nas lojas virtuais. Há
razoável concorrência entre algumas grandes empresas que adentraram
este
mercado de livros digitais,
cada qual com seu aparelhinho: a Amazon, maior livraria virtual do
mundo, com o pioneiro Kindle, lançado no mercado
norte-americano em 2007, e que em dezembro do ano passado finalmente chegou ao Brasil; a Barnes &
Noble, outro livreiro gigante, lançou o Nook; há
o canadense
Kobo, também
recém chegado ao
mercado brasileiro com a
oferta de obras nacionais em parceria com a Livraria Cultura;
a Sony lançou o Reader; e ainda existem
o JetBook e o Pocketbook; a
gigante empresa
de Internet,
Google, por sua vez, oferece livros digitais
na sua loja Google Play, que podem ser lidos em dispositivos com o
seu sistema
Android, ou em um computador
PC, usando o navegador.
Não
adquiri, claro, esses aparelhos todos, mas até onde pude me informar
há entre eles um modelo de negócio bastante semelhante. O
que falo a seguir é fruto de minha experiência específica
com o Google Play e, mais
profundamente,
com o Kindle, da Amazon, mas creio que em linhas gerais se aplique
aos demais.
Os
livros adquiridos ficam na “nuvem” (tradução
do termo
inglês “cloud”,
terminologia do mundo da
informática que tem sido
empregada para designar o armazenamento de dados ou o oferecimento de
aplicativos –
editores de texto, por exemplo –
que ficam hospedados em
servidores de Internet e podem ser utilizados pelo cliente a partir
de qualquer computador a ela
conectado). Isto
é, os livros ficam
armazenados em uma conta
pessoal mantida
nos computadores da livraria virtual
e podem
ser baixados
quando necessário
para seus aparelhos
eletrônicos de leitura,
ou eventualmente para o próprio
PC, mediante
o uso de softwares
específicos de leitura e gerenciamento de sua moderna “biblioteca”.
Com
isso, há um certo controle a evitar a contrafação das obras (o
arquivo baixado está protegido com tecnologias DRM),
mas ao mesmo tempo oferece-se ao comprador um padrão de uso mais
próximo daquele
do livro em papel.
A
Amazon, por exemplo, permite vincular até sete
dispositivos a uma mesma
conta do
usuário, que pode por si,
mediante acesso ao sistema de gerenciamento disponível pelo site,
desconectar ou conectar
aparelhos.
Isso significa dizer que, ao comprar um livro, poderei lê-lo tanto
no meu Kindle como em meu PC doméstico,
ou no
do escritório, ou, ainda, em
um outro Kindle de minha esposa ou de
meus filhos. Ora, se tenho
dez
livros na estante e pego um deles
para ler, minha família não estaria impedida de ler os
outros nove...
Então, se
comprei vários
livros eletrônicos, enquanto leio um no meu Kindle, os meus filhos
podem simultaneamente
ler outros nos seus próprios dispositivos, ou no PC.
Além
disso, o que me pareceu
bastante convidativo, os
livros também podem ser lidos em outros dispositivos móveis, pois
há aplicativos de leitura gratuitos para os sistemas operacionais da
Apple (para iPhone ou iPad) ou para os sistemas Android, presentes em
diversas marcas de tablets
ou celulares. Noutras
palavras, para ler edições Kindle, nem
sequer é necessário
adquirir um aparelho Kindle!
Ou,
ainda, em um desktop
ou notebook padrão também é possível ler os livros, usando um
aplicativo para PC (disponível para Windows ou Mac), ou simplesmente
usando seu navegador (o que
permite a leitura também em
plataforma Linux!)
por meio do link
http://read.amazon.com e
entrando
no sistema com seu login e sua senha.
Outra
interessante comparação: em
uma livraria, é comum tirarmos livros da estante, folheá-los, ler
pedacinhos do texto, ou
examinarmos
o índice. Se interessar, compramos.
Também isso é possível nesse
novo modelo eletrônico, só
que remotamente: dá
para pedir
uma amostra grátis,
que apresenta apenas
uma
parte inicial do livro, que é
do mesmo modo instalada nos
leitores eletrônicos. Podemos, então, conhecer um pouco mais a
obra, antes de decidir se vale a pena comprá-la.
Parece-me, então, que tais modelos de venda são
bastante razoáveis, porque não inibem o leitor de fazer um fair
use dos livros pelos quais pagou, de modo muito próximo do que
faria se tivesse adquirido livros físicos.
Há,
no entanto, quem diga que não há experiência melhor do que ler
um livro em papel. É
mais agradável aos olhos. É bom folheá-lo,
senti-lo... alguns românticos dizem gostar até do cheiro do papel
(certamente não devem saber o que é ser alérgico à
poeira...). O
que posso retrucar, em
resposta a essas pessoas?
Nada! Argumentos racionais são passíveis de discussão; paixões ou
gostos pessoais, não.
Pois
eu já estou tão viciado
em bugigangas
eletrônicas, que prefiro ler
nas telinhas (ou
nas grandes,
dos desktops)
tudo o que for possível:
documentos
que clientes
me enviam por
e-mail, monografias de alunos
(há anos que não recebo textos em papel de meus orientados, e
lhes devolvo minhas obervações também em formato digital,
eliminando impressões),
minhas próprias petições judiciais, jurisprudência, notícias...
e, nos últimos dias, estou
lendo livros nas plataformas que mencionei aqui.
Aos recalcitrantes –
acreditem! – o
papel não é tão melhor assim de ler,
isso é só uma questão de
costume. Costume esse
que as novas gerações estão modificando
sem pestanejar.
Nos
últimos anos, tenho notado
o crescente número de alunos que comparecem às aulas não com
Códigos, nem carregando um pesado Vade Mecum,
mas com notebooks e,
mais recentemente, com tablets
ou telefones
celulares.
Em tese, pode-se levar
a legislação inteira do país em um moderno smartphone. E
também usam os aparelhos para fazer anotações de aula. O
caderno, para parte dessa
nova geração,
já acabou!
Da
soma desses fatores (diria eu, especialmente porque o modelo é justo
para com o leitor!), as
vendas de livros eletrônicos
têm atingido
surpreendentes estatísticas.
Segundo foi
noticiado em janeiro de 2011, desde os três últimos meses de 2010 a Amazon
norte-americana passou a vender mais livros digitais do que em papel.
O Kindle foi lançado em 2007; bastaram, portanto,
três anos para as edições eletrônicas superarem as vendas dos
livros tradicionais. E isso
se repetiu em seguida na
filial do Reino Unido, onde o Kindle foi lançado em outubro de 2009:
em meados de 2012, as vendas em formato digital superaram a dos livros físicos.
Vencido
o desinteresse dos leitores, e criado um modelo de negócio viável
para todas as partes envolvidas, ouso dizer mais uma vez que em todos
os demais aspectos o formato eletrônico supera largamente o
tradicional, desde os argumentos, digamos, “ecológicos”,
relacionados à produção, transporte e descarte final do papel,
como os relacionados à eficiência do modelo. Assim que comprarem um
livro pela Internet, de sua casa ou escritório, a qualquer hora do
dia ou da noite e, segundos depois, puderem vê-lo presente no seu
mágico aparelhinho de leitura, entenderão do que estou falando.
E,
do ponto de vista do autor, a publicação em livros eletrônicos
reduz drasticamente o tempo de espera para que sua obra atinja o
público, pois a velocidade obtida no universo dos bits é,
nesse aspecto, algo insuperável: em tese, pronto e enviado o arquivo
final, o livro poderá estar disponível à venda quase que imediatamente, em
todo o mundo.
Encerro
aqui esta sequência de três pequenos textos. Não foi meu objetivo
convencer ninguém das vantagens deste ou daquele outro modelo, mas
sim apresentar-lhes as informações que obtive e consequentes
reflexões que desenvolvi nas últimas semanas, em que resolvi
“brincar” um pouco com as opções de livro digital e ver como as
coisas se encontram atualmente neste campo.
Posso
ao menos dizer que, a mim, a elaboração e divulgação desses três
pequenos textos serviram para discutir o assunto, seja on line
ou pessoalmente, com meus relacionamentos profissionais e de amizade,
o que foi importante para, juntamente com o material que levantei,
ajudar na formação de minhas ideias sobre o assunto e na tomada de
algumas decisões pessoais.