segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Mais problemas para o "processo eletrônico": falhas de segurança do JAVA

No ano passado, publicamos um artigo sobre os problemas de interoperabilidade que os sistemas de processo eletrônico apresentam, eis que todos os tribunais do país têm usado tecnologias restritivas e específicas para a comunicação via web. Sabendo-se que uma das razões do sucesso da própria Internet, e da Web, foi a sua interoperabilidade, isto é, a possibilidade de comunicação entre aparelhos, sistemas, programas diferentes, desde que observadas "linguagens" comuns (os protocolos TCP/IP, o padrão HTML, etc), os sistemas judiciais nacionais transitam claramente na contra-mão.

Como consequência, os sites de acesso ao "processo eletrônico" não funcionam na multiplicidade de sistemas operacionais disponíveis no mercado, exigindo ainda que o advogado-usuário tenha configurações bastante específicas em seus computadores. Ocorrem até mesmo problemas com versões mais recentes do Windows, incompatíveis com os sites de alguns tribunais. Tudo isso dificulta a utilização, exigindo conhecimento bem além do básico para se conseguir habilitar um computador pessoal a acessar nossa justiça online.

Mas o que era ruim sempre pode ficar pior...

Todos os tribunais de que tenho notícia utilizam applets Java em seus sistemas para envio de petições eletrônicas. Entre as recomendações de configuração, o usuário deve instalar o respectivo plugin, ou extensão. Como tenho dito há tempos, tomaram o caminho mais difícil. Poderiam ter planejado um sistema que permitisse o usuário assinar off-line e apenas fazer upload da petição já digitalmente assinada. Uma página simples para upload funcionaria com qualquer coisa. Se sua geladeira ou torradeira tiverem acesso à web, daria para peticionar com elas em um modelo assim mais simples. Durante alguns anos, simulei com alunos de graduação um modelo como esse, que se mostrou bastante leve e prático, e não exigia que o "usuário" tivesse qualquer configuração especial em seus aparelhos.

Nas últimas semanas, o Java foi para a berlinda. Descobertas falhas de segurança em sequência nos últimos meses, corrigidas logo após, o mais recente ato dessa novela é que a Fundação Mozilla simplesmente colocou a versão corrente do Java na sua "black list"! Se você utiliza o Firefox (ao menos nas suas versões mais novas), verá que o Java foi simplesmente desabilitado e no momento não há uma versão mais nova para instalar.

Noutras palavras, se estiver usando a versão mais atualizada do Firefox, os sistemas dos tribunais não vão funcionar!

Aparentemente, há meios de contornar o problema e continuar a utilizar o Java, mas... será que é prudente?

Bem... ao menos para o U.S. Department of Homeland Security, a recomendação é desabilitar o Java.

Algum tribunal do Brasil já pensou no que fazer com seus sistemas de e-proc, que exigem dos advogados a instalação do Java? Será que algum deles sabe do que eu estou falando?

PS: A propósito, os sistemas de Internet Banking também costumam usar "módulos de segurança" baseados em Java...

Mais informações nos links:

New Java exploit sells for $5000 on black web; possible threat to millions of PCs

U.S. warns on Java software as security concerns escalate 

New Java Exploit Fetches $5,000 Per Buyer 

Protecting Users Against Java Vulnerability (Mozilla Security Blog)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O efeito mágico do "Processo Eletrônico": TJSP anuncia julgamento em 10 dias úteis

Não gosto da expressão "processo eletrônico", como já escrevi várias vezes, pois em termos conceituais ela não para em pé. Se todos a usam - e ela tem um inegável apelo de marketing! - eu me permito escrevê-la entre aspas, como está no título acima.

Como todos sabem, o TJSP quer porque quer implantar um "processo eletrônico" às pressas. O que não se fez nos últimos dez anos, tentará ser feito em dez meses. Vim a saber que, para a migração de sistemas do Fórum João Mendes, teriam sido treinados dois funcionários de cada Cartório, para que estes ensinem os outros. Já ouvi, anos atrás, de outro juiz então responsável pela informática do Tribunal, que isso já não havia dado certo. O funcionário mal aprende para si, quanto mais para ensinar outros... Naquele momento, então, decidiram que só migrariam sistemas de um órgão judicial após treinar a todos. Pelo visto, reviram essa posição. E esse é apenas um dos pontos questionáveis de se tentar uma informatização assim afobada, mas não vou me alongar mais sobre essa questão.

O motivo do corrente post é comentar uma notícia veiculada no site do TJSP, no dia 15 último. O título é: "Surgem os primeiros frutos do processo eletrônico no FJMJ – sentença proferida em dez dias úteis".

Incrível, não? Se eu fosse um jurisdicionado comum, um qualquer do povo, passaria a acreditar que a justiça de meu país finalmente vai andar rápido. Rápido como um foguete! Ou melhor: rápido como a Internet!

A quem cursou regularmente um curso de Direito, infelizmente, a notícia tem todo o sabor de um exagero do setor de marketing. Diria até que, fosse divulgada por uma empresa privada, esta correria o risco de sofrer ação civil pública por propaganda desmedida. Mas vem do órgão público que há de julgar tais tipos de causas...

A notícia não divulgou o número do processo, para que eu pudesse ver os autos, ou ao menos as informações disponíveis na Internet, e tentar compreender como tudo pôde terminar tão rápido. Por isso, restou-me uma sensação de incompletude.

Afinal, se o prazo de defesa do réu, por si só, é de 15 dias corridos, contados da juntada do mandado de citação cumprido, como é que o processo todo poderia acabar em "10 dias úteis"? E o direito de recorrer? Não houve recurso? Réplica? Provas? Sem respostas a essas perguntas, não é possível compreender como um processo judicial regular pode ser dado por encerrado após 10 dias úteis!

A divulgação feita no site do TJ ao menos deixa antever que se trata de lide excepcionalíssima, um caso concreto literalmente de vida ou morte, que felizmente foi tratado com a necessária urgência por parte do magistrado. Se há um juiz decidido - e disponível - a ordenar imediatamente uma medida judicial e seu pronto cumprimento (não se diz na notícia como se procedeu a isso) para salvar a vida de um paciente grave, não me parece que o "processo eletrônico" tenha qualquer mérito nisso. Nos autos em papel, o mesmo também poderia ter ocorrido.

Divulgar um caso excepcional como um dos "primeiros frutos do processo eletrônico" é, infelizmente, pura ação de marketing. Para o bem ou para o mal, a Internet tem levado tribunais e outros órgãos públicos a divulgar notícias em seus websites como se entes privados fossem, apresentando com exagerados auto-elogios e uma estética publicitária os serviços que prestam à sociedade. Talvez seja eu um pouco antiquado, pois acredito que órgãos públicos têm o dever de prestar informações precisas, exatas e completas ao cidadão, como preconiza o inciso XXXIII, do art. 5º da Constituição Federal.

Como assinala Wallace Paiva Martins Júnior (Tranparência Administrativa, Saraiva, 2004), "como obrigação estatal ou resultante do exercício do direito de acesso, sujeita-se [a Administração] ao dever de veracidade, ou seja, os órgãos e as entidades da Administração Pública têm o dever de difusão pública de informações verídicas, com certeza, segurança e determinação quanto ao seu conteúdo, não se tolerando publicidade mentirosa, tendenciosa, maliciosa ou incompleta" (grifei).

Saliente-se que, como já tratei anteriormente aqui no blog, o STJ já divulgou notícia assim imprecisa e exagerada para exaltar os supostos benefícios do seu "processo eletrônico".

A informatização processual (expressão que prefiro), saliente-se, mais do que desejável é por mim ansiosamente aguardada há cerca de uma década! Contudo, não basta passar o papel para a tela do computador. É necessário muito mais, para aproveitar o poder de processamento dos computadores para imprimir eficiência ao órgão judicial. Isso exige repensar todo o modo de ser do processo e, especialmente, uma reengenharia das estruturas internas dos órgãos judiciais. Algo que, na minha modesta opinião, deveria ter sido feito antes de passar o papel para a tela. Planejamento de longo prazo, para isso, é essencial.

Para finalizar: a manchete que os brasileiros querem ler - quiçá chegue o dia! - não é a de que um processo acabou em dez dias úteis, fruto evidente de situações excepcionalíssimas ou de notícias imprecisas, mas a de que TODOS os processos terminam antes de um ano.