terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Parabéns, Marcos!

Embora este seja um blog temático sobre Direito e Tecnologia, não posso deixar de aqui publicar esta homenagem. Afinal, o colega Marcos da Costa, com quem divido este espaço digital há cerca de cinco anos, foi eleito Presidente da OAB-SP!

Sua recente eleição me fez relembrar um episódio distante. Era o ano de 2001, por volta das primeiras semanas do mês de julho. Marcos era o Presidente da então chamada Comissão de Informática Jurídica da OAB-SP e eu, o seu Vice. Poucos dias antes, havia sido baixada a primeira edição da Medida Provisória nº 2.200/01, que instituiu a ICP-Brasil, e nós dois fomos seus críticos de primeira hora. Publicamos textos duros contra a MP logo nos dias seguintes, criticando a má iniciativa tomada pelo Governo Federal (disponíveis aqui e aqui) e levamos a questão às diretorias dos Conselhos Federal e Seccional, o que motivou notas de repúdio prontamente assinadas por seus respectivos Presidentes. Outras entidades da sociedade civil e parte da grande imprensa logo atentaram para a delicada e complexa questão e também se pronunciaram em tom de crítica.

Foi quando, então, em um final de tarde poucos dias depois, recebo um curto telefonema:

- Você pode vir aqui? É urgente!

Marcos estava na sede da OAB-SP e não quis dizer o que era ao telefone. Meu escritório era bem perto dali e, assustado com seu tom de voz, corri para lá imediatamente. O que poderia ter acontecido de ruim? Será que o Governo decidira nos retaliar de alguma forma?

Não! Ao contrário, até! Uma alta autoridade federal havia telefonado e nos oferecido uma das vagas no Comitê-Gestor da ICP-Brasil, que poderia ser do Marcos ou de quem ele indicasse, o que, no caso, poderia significar também a minha pessoa.

Marcos já estava contrariado com o convite, mas, no calor daqueles dias, uma recusa a isso não lhe pareceu ser algo para ser decidido sem uma análise mais profunda da situação. Passamos a discutir os prós e os contras, enquanto outros telefonemas chegavam, sugerindo que a participação de um membro da OAB seria importante para o processo político, ou que, tendo assento no Comitê Gestor, poderíamos ali apresentar nossas críticas para discussão e decisão.

Não nos pareceu assim. Por melhores que fossem as intenções dos interlocutores que formulavam o convite, ou que pediam que o aceitássemos, a MP 2.200 estabelecia um jogo com final previsível: eram dez representantes de órgãos governamentais e apenas dois da sociedade civil (e todos nomeados pela Presidência da República...). E, mais que isso, tínhamos, antes, expressado nossa crítica à própria criação e funcionamento de um comitê com tamanhos poderes.

Quando, então, a recusa ao convite pareceu ser mesmo o mais correto a fazer, um Colega, que como membro da Comissão também participava da conversa, selou a decisão com uma frase profética, cujas exatas palavras minha memória talvez não seja capaz de lembrar:

- Não lhes faltarão outros convites para que digam "sim". Poucas vezes alguém terá a chance de dizer "não" para um convite como este.

Esta é a primeira lembrança que me vem agora à mente, ao prestar essa homenagem ao meu "colega de blog", recém eleito para ocupar a Presidência da OAB Paulista: de fato, Marcos, convites não lhe faltaram e não lhe faltarão. Na semana passada, 59.770 advogados o convidaram a ser o comandante da OAB-SP pelos próximos três anos. Sua eleição mostra que, assim como pensamos em 2001, cargos públicos de destaque não se prestam a massagear o ego dos vaidosos, não são o preço que se recebe em troca da conivência com o erro, ou para a traição dos próprios ideais, nem o resultado de conchavos de ocasião cujos únicos propósitos sejam o de ocupá-los.

Parabéns, Marcos!


PS: Na primeira reedição da MP 2.200 muitos dos problemas apontados foram objeto de modificação, o que não significa que a ICP-Br não continuasse a ser, como ainda continua, uma má ideia, em minha modesta opinião... Acho que ao menos podemos dizer que, com nossas críticas, somadas às de outros setores da sociedade civil, contribuímos para alterar uma Medida Provisória ruim. Que a Presidência da OAB-SP, sob sua voz, colabore ainda mais para a melhoria das instituições de nosso país, em prol do exercício da advocacia, da democracia e da cidadania.


sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Sorteio eletrônico e publicamente auditável: será possível?

A pergunta formulada no título é algo em que tenho pensado já há um bom tempo. Como realizar sorteios por computador de forma pública, ou ao menos de forma que a conferência da lisura do sorteio possa ser publicamente demonstrável?

A principal característica de um sorteio deve ser a sua aleatoriedade. Bolinhas numeradas colocadas dentro de um globo a ser velozmente girado produzem um sorteio aleatório, desde que idênticas em peso, tamanho e material. Se pessoas assistem ao sorteio, e podem conferir uma a uma as bolinhas, pode-se dizer que o sorteio foi publicamente auditado, ao menos pelo universo de sujeitos presentes ao ato. O que, convenhamos, não é grande coisa em termos de segurança contra eventuais vícios do sorteio...

Sorteios feitos por computadores são ainda mais problemáticos. O computador, a princípio, é incapaz de realizar algo verdadeiramente aleatório. Costuma-se, por isso, chamar algumas funções matemáticas de "pseudo-aleatórias". Tratam-se de funções matemáticas que, partindo de um primeiro número (chamado de "seed", ou semente), realiza operações sequenciais que não são lineares e, por isso, se assemelham a números aleatoriamente gerados. O problema, aqui, é encontrar sementes que sejam suficientemente aleatórias para iniciar o cálculo. Afinal , uma vez temos funções matemáticas - exatas, portanto - a partir da mesma semente gera-se sempre a mesma sequência. A aleatoriedade da geração randômica, então, depende da aleatoriedade da semente.

Programas de criptografia, que dependem visceralmente de números aleatórios para a geração de chaves, normalmente pedem ao usuário que aleatoriamente mexa o mouse ou digite teclas quaisquer no teclado, e a partir desses movimentos, eventualmente mesclados com dados do sistema (uso do disco, data e hora, temperatura interna ou outros eventos físicos mensuráveis), produz uma semente aleatória. Como o objetivo, nestes casos, é produzir um número aleatório que nunca mais erá conhecido, nem deve ser sabido por mais ninguém, essa é uma boa forma de produzir resultados aleatórios.

Mas, e se o que queremos fazer é um sorteio, de tal modo que possamos demonstrar racionalmente aos participantes a lisura do resultado? Não é uma forma oculta de geração de números aleatórios que cumprirá essa função.

A solução para esta questão passa necessariamente por essas funções matemáticas que geram números randômicos. Paradoxalmente, a exatidão das funções matemáticas é o caminho para permitir um sorteio auditável, pois tais operações podem ser posteriormente conferidas por qualquer um, desde que conhecida a "semente". Mas aí entramos em outro problema: como gerar essa semente, não apenas de modo aleatório, mas que possa ser conferido? E, especialmente, de modo que não possa ser manipulado por alguém!

Tentando equacionar o problema, temos que, por um lado, em um sorteio, não parece tão necessário gerar uma semente com o mesmo grau de aleatoriedade necessário para a geração de chaves criptográficas ou para qualquer aplicativo de segurança. O que parece ser mais importante é que a geração dessa semente seja algo que não possa ser determinado exclusivamente por nenhum dos sujeitos envolvidos no sorteio, sejam os concorrentes, seja o seu organizador.

Algo que me vêm à mente, então, para gerar a semente, seria a utilização de dados enviados por cada um dos participantes, sem que algum deles, ou o organizador, possa ter controle sobre o montante total desses dados. E, especialmente, que não possam ser manipulados depois de enviados, em conluio entre um dos participantes e o organizador.

E, se o universo de participantes for algo previamente indeterminado, um cenário tal em que todos e qualquer um poderiam se inscrever, talvez o nome e dados pessoais desses sujeitos fosse suficiente para a geração de uma semente aleatória e, ao mesmo tempo, auditável. Tal modelo seria inviável se o universo de participantes fosse um grupo social fixo, de pessoas determinadas, como alunos de uma classe, funcionários de uma empresa, etc. Mas, se os concorrentes podem ser quaisquer pessoas, conforme essas se habilitem ou não ao concurso, parece-me que a utilização de seus dados pessoais é algo suficientemente aleatório, ao menos para o fim de: a) permitir conferir publicamente como foi calculada a semente; b) impedir que algum dos partícipes consiga manipular os dados que gerarão a semente, uma vez que ele não controle o universo total de inscritos.

Daí, calculamos o hash sobre esses dados e usamos esse número como semente do nosso sorteio aleatório.

Parece plausível?

Querem participar de um teste? Aguardem!

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Ainda sobre a videoconferência de réus presos

Quem já teve a oportunidade de falar através das câmeras de televisão, certamente concordará que é um tanto quanto desconfortável dirigir a palavra a uma lente de vidro, como se ali estivesse o seu interlocutor. A primeira entrevista não costuma deixar boas lembranças... Com mais experiência em falar diante das câmeras a atuação melhora um pouco, sem, contudo, eliminar aquele sabor de artificialidade. Mas se o objetivo é a comunicação de massa, não há outra opção.

A muitos réus presos deste país também não se está deixando outra opção, senão a de serem interrogados por videoconferência, com a gritante diferença de que o resultado desse ato não é alcançar milhares de espectadores, mas o risco de passar alguns anos atrás das grades, injustamente.

Em janeiro de 2009, meu velho amigo e colega também neste "blog", o advogado Marcos da Costa (hoje Vice-Presidente, ocupando interinamente a Presidência da nossa OAB-SP!), lançou aqui algumas críticas à "novidade", que chamou de "equívoco disfarçado de modernização". Gostaria de acrescentar alguns elementos a mais, especialmente à vista de resultados práticos recentemente divulgados pela imprensa, que abordarei ao final deste texto. Não pretendo analisar as questões de direito relativas ao tema, já tão debatidas pelos nossos tribunais. Falarei apenas de algumas experiências e reflexões pessoais, que, na minha opinião, contam muito. Afinal, a aplicação do Direito não pode se desprender do fato, da realidade, ou da vida das pessoas... o que é especialmente verdadeiro no campo probatório.

Em 2001, quando a discussão sobre o interrogatório remoto de réus presos ainda estava em seu princípio, fui convidado a proferir palestra sobre as perspectivas legais do comércio eletrônico em um congresso que ocorreria em Buenos Aires. Mas eu - que pena! - permaneceria em São Paulo e faria minha exposição por videoconferência, assim como outros participantes internacionais. Não fui convidado à capital portenha, mas ao menos iria realizar uma experiência que parecia ser interessante.

Lembro-me que, àquela época, eu ainda não tinha uma opinião formada sobre a utilização dessa tecnologia no interrogatório criminal. Para o processo civil, com que tenho mais afinidade, sempre me pareceu que seria muito vantajosa a realização de atos orais à distância por videoconferência (ou outras opções mais baratas, com algum desses vários softwares de comunicação que usam computadores comuns e a infraestrutura da Internet). Afinal, colher um depoimento testemunhal por algum canal qualquer de transmissão de áudio e vídeo não pode dar em resultado pior do que o modo atual como tais provas são produzidas, por carta precatória, no mais das vezes sem a participação das partes e advogados, e que também esvazia as vantagens da oralidade e da imediação, eis que o destinatário daquela prova, o juiz da causa, só recebe, para sua apreciação, as frias e essencialmente imprecisas transcrições do depoimento, registradas no juízo deprecado. Mas, para o processo penal, eu sentia não ter experiência suficiente na área para compreender todas as implicações que a novidade poderia trazer. Talvez fosse uma boa ideia, como propunham seus idealizadores, talvez não...

Retomando a narrativa da teleconferência dirigida a Buenos Aires, minutos antes de minha apresentação ainda recebi um importante telefonema, do estimado colega, professor e advogado Luiz Fernando Martins Castro, que se encontrava participando do Congresso in loco e me deu preciosas dicas: segundo ele, os palestrantes remotos que me antecederam haviam falado rápido demais, prejudicando a compreensão por parte dos ouvintes. Recomendou que eu pisasse no freio e falasse com mais pausas. De fato, a dica conferia com uma importante lição que aprendi no teatro (para quem não sabe, já participei de um grupo amador...): o timing de quem fala não é o mesmo de quem escuta.

Pois bem: finalmente iniciei a apresentação. Encontrava-me em uma sala retangular de no máximo uns 10 metros quadrados, sentado à cabeceira de uma pequena mesa de reunião e, do outro lado, o equipamento: ao centro, bem diante de mim, estava a câmera, escoltada por um grande aparelho de TV de cada lado. Uma das telas mostrava a minha imagem, como estaria sendo vista no telão do congresso; a outra, exibia o auditório, alternando entre a plateia, para a qual eu me dirigia, e a mesa diretora dos trabalhos, que se encontrava no palco.

Por mais que eu tentasse colar os meus olhos na lente, era impossível resistir à tentação de olhar para os dois aparelhos de TV, e a cada vez que eu o fazia metade de minha concentração com a exposição ia parar para lá de Marrakech... Bater papo com um amigo pela webcam de seu computador pode ser algo bastante simples, mas proferir uma conferência e sustentar por quase uma hora aquele tom professoral, preocupado em manter um ritmo estável, quando se está em uma sala vazia que se acaba em uma parede a uns 3 metros à sua frente é de uma artificialidade terrível. E os malditos aparelhos de TV... O que mostrava a minha imagem mais atrapalhava do que ajudava. Claro, se a câmara e a TV estão em ângulos diferentes, em relação à minha pessoa, a cada vez que olhava para a tela via-me, não como em um espelho, mas como se estivesse olhando para o lado... e para o lado contrário, o que só fazia piorar as coisas se eu ainda instintivamente tentasse corrigir minha posição, pois o "cara" na TV parecia fugir de mim. E a outra sensação ruim vinha da cena que recebia, vinda dos bons ares portenhos: era como falar para alunos aborrecidos que estivessem, todos, a olhar o dia de sol pela janela lateral da sala de aula, ao invés de prestar atenção em mim. O telão estava posicionado no lado direito do palco e a câmera os captava a partir de algum ponto situado entre o centro e o lado esquerdo. A cena da mesa então, era mais desanimadora: eu via cinco ou seis pessoas, apoiando as cabeças com os cotovelos sobre a mesa, todas olhando para o outro lado...

- E ainda querem colocar o réu preso nessa situação? - pensava eu, enquanto tentava não me desconcentrar com esses detalhes todos e não perder fio da meada sobre o que eu deveria estar falando...

Eu guardo esse momento como a exposição mais desengonçada que já fiz na vida, isso apesar de não ser, mesmo à época, um neófito, nem com tecnologia, nem com câmeras, nem como professor e palestrante, nem em falar sobre o tema proposto. Além dos problemas "técnicos" acima  alinhados, senti muito a falta de contato humano, de poder varrer a plateia e mirar, um a um, aleatoriamente, os atentos olhos que me observam (sempre há, claro, aqueles que captam melhor a mensagem de olhos fechados, durante o sono...) ou o esforço daqueles que tentam anotar as minhas palavras.

Minha opinião sobre o interrogatório criminal por videoconferência começou a ser construída a partir daquele dia. Passei a me perguntar como seria, para um acusado preso, especialmente os mais simples e pobres, submeter-se a um interrogatório feito dessa maneira. Muito já se discutia, no debate sobre a videoconferência de presos, se o juiz seria mesmo capaz sentir e bem valorar o depoimento do réu distante. Passei a pensar se o próprio réu conseguiria se expressar adequadamente. Seria o caso de inaugurarmos o uso de novas tecnologias no processo justamente em momento tão delicado como esse?

Com o passar do tempo, outras informações e reflexões foram se somando. Não saberia dizer em que grau a dinâmica da atuação do defensor em uma audiência penal seja semelhante à dos advogados cíveis. Isso é algo que a teoria não ensina, somente a prática, e a minha pouca prática penal não permite tais comparações. Mas, na minha experiência com a advocacia civil, a todo tempo, durante a oitiva de testemunhas, estamos cochichando com o cliente sentado ao nosso lado. Depoimentos testemunhais costumam ser imprevisíveis, às vezes até mesmo para a própria testemunha, se é que me entendem. Não é incomum que a testemunha diga coisas que nos surpreendam, pela novidade, e precisemos esclarecer aquilo, aos  sussurros, com o cliente, já que foi ele que vivenciou aquela história toda. Pode ser uma imprecisão menor; pode ser mentira; pode ser mal uso das palavras pelo depoente; pode ser um fato aparentemente relevante, mas que não o é, se devidamente esclarecido em sua inteireza, ou vice-versa. Quando a causa, mesmo cível, envolve riqueza de detalhes fáticos, a presença do cliente ao lado de seu advogado, durante a audiência, é algo que considero extremamente importante. Quero crer que o mesmo valha para a audiência penal, até porque são causas em que os aspectos fáticos do caso concreto têm muito mais relevância do que nas lides não-penais. No entanto, se o réu não vem à audiência, parece-me que a defesa tem sua atuação prejudicada, diante da falta de contato direto e imediato entre ele e seu patrono.

Outro fator que contribuiu para o meu convencimento sobre o tema ocorreu em 2005. A então chamada Comissão de Informática Jurídica, que eu presidia, realizou, na OAB-SP, um grande evento cujo tema central era a "Cidadania Digital". E, como um dos organizadores, resolvi convidar um colega de turma, juiz criminal, para falar da videoconferência de presos. E, ao ser contatado, meu amigo Marcelo Semer, por elegância, logo me advertiu ao telefone que sua posição era radicalmente contrária ao seu uso, o que eu já sabia. Ele deve ter estranhado, inicialmente, que uma Comissão voltada à tecnologia quisesse mesmo ouvir as suas palavras de discordância... com o uso de tecnologia. A questão é que já conhecíamos a opinião dos juízes favoráveis, vários deles também bons e velhos amigos, bem como a dos advogados que se opunham, e parecia ser interessante ouvir o que um juiz contrário à videoconferência teria a dizer. E, claro, a Comissão sempre teve como como foco estudar a tecnologia aplicada ao direito, o que nem sempre é feito do modo mais adequado, mas sem venerá-la.

Sua crítica à videoconferência foi ao mesmo tempo arrasadora e instrutiva, especialmente por narrar o processo visto daquele outro ângulo do tripé processual em que nunca me encontrei. Como juiz, ele afirmou que sua capacidade de conhecer o fato e a qualidade das suas decisões restariam prejudicadas pela forma remota de ouvir o réu. E, ao que me lembro, apontou também que a Justiça criminal padecia àquela época - o que talvez permaneça até hoje - de graves deficiências em sua infraestrutura, cuja solução haveria de ser prioritária, ao invés de investir-se tantos recursos na implantação da videoconferência.

O argumento principal, em defesa da videoconferência de presos, tem sido justamente a economia de recursos que essa novidade traria aos cofres públicos, já que substituiria a dispendiosa estrutura necessária para o transporte dos acusados ao prédio do Fórum. Entretanto, independentemente dos aspectos processuais já citados, sem dúvida os mais relevantes, há tempos que venho intuitivamente duvidando que a suposta economia propiciada pela videoconferência de presos seja mesmo alcançada: afinal, a tecnologia envolvida na videoconferência requer equipamentos caros, sua manutenção, locais apropriados para sua instalação, corre os riscos de obsolescência precoce a que estão sujeitos todos os aparelhos eletrônicos de hoje e, principalmente, para o uso previsto, não parece suscetível a uma redução de custos pela utilização em escala. Audiências costumam ser realizadas apenas durante o horário de expediente forense, momento em que, se já estivesse implantada essa "novidade" em todos os juízos criminais do Estado, centenas de audiências simultâneas haveriam de ser realizadas, muitas delas, possivelmente, conectadas a um mesmo presídio, sendo necessário para isso, é claro, o dobro de salas equipadas para videoconferência, para reunir os dois lados. Encerrado o horário de audiências, o equipamento ficaria ocioso o restante do dia.

Pois recentemente a imprensa divulgou dados nada animadores a respeito dos resultados meramente econômicos dessa experiência. A instalação de apenas 27 salas de videoconferência em fóruns e outras 39 em presídios resultou em gasto de 32 milhões de reais aos cofres públicos, para a realização de apenas 2121 audiências em todo o Estado durante o ano passado, o que representa apenas 0,3% do total das audiências criminais feitas no mesmo período.

Enquanto isso, observamos em São Paulo um Poder Judiciário sem recursos bastantes para sequer completar uma fase inicial de informatização, que uniformize os sistemas utilizados em todos os seus órgãos. A adequada informatização da estrutura judicial é, hoje, a melhor expectativa de melhoria dos serviços judiciários ofertados à sociedade, que sofre com a insuportável morosidade dos processos. Mas, para isso, não há verba.

Em nome de uma suposta economia de recursos públicos com o deslocamento de presos, suprimiu-se do acusado o inalienável direito a um contato pessoal, direto e imediato, com um magistrado. Este foi substituído pela lente de vidro. E dificulta-se a defesa, especialmente a dos mais pobres, pois o advogado, presente à sala de audiências, não tem um contato direto e constante com o acusado cujos interesses patrocina, pois este permanece no presídio.

Criticar o uso de videoconferência para o interrogatório de presos não significa, em absoluto, aversão à modernidade. O brilho das novas tecnologias é que não pode cegar os nossos olhos, impedindo-nos de ver que a utilização das novidades eletrônicas encontra limites práticos, racionais, econômicos e, especialmente, jurídicos, diante da inafastável primazia dos princípios gerais de Direito sobre as supostas vantagens - sejam elas quais forem - da informatização.

Mostra-se necessário, portanto, investigar quais são as reais prioridades de modernização do Poder Judiciário, de modo que os recursos do contribuinte sejam utilizados para melhorar sua estrutura como um todo. E, do ponto de vista político-valorativo, melhor seria começar a empregar as novas tecnologias para aumentar o acesso à justiça, o contraditório e a ampla defesa dos litigantes em geral, e não para diminuí-los, como se tem feito com os réus presos.