O relatório CMInd tem repercutido de maneira bastante positiva nos últimos dias. O Presidente do Conselho Federal da OAB, demonstrando ter suas dúvidas e preocupações com o sistema eleitoral brasileiro, pronunciou frase que merece ser amplamente repercutida: "não é o Direito que tem que se adequar à informatização, mas esta é que tem que se adequar ao Direito". Irretocável! O acerto dessa proposição vai além das questões eleitorais. Silvio Meira também noticiou a publicação do relatório em seu blog, prometendo que ainda vai voltar ao assunto (sobre o qual, aliás, já se manifestou muitas vezes de forma bastante lúcida e ao mesmo tempo crítica). Aguardemos para ver se a mobilização aumenta!
Por ora, prossigo aqui no Direito em Bits apresentando algumas críticas que são opostas a esse nosso modelo de votação eletrônica. Não atuo na área eleitoral e até vir a participar das Comissões de Informática da OAB-SP o único contato que havia tido com nossas urnas eletrônicas fora apenas como eleitor. Aproximei-me do tema devido a dois fatores.
De um lado, estudando segurança da informação, criptografia, assinaturas digitais, prova por meios eletrônicos - assuntos mais próximos de minha atuação acadêmica e profissional, sobre os quais já publiquei alguns escritos - inevitavelmente cruzei com textos sobre votações eletrônicas que chamaram desde logo a minha atenção como cidadão. São, de fato, temáticas cujos problemas estão intimamente interrelacionados: votação eletrônica e provas por meio eletrônico. Em ambos nos deparamos com a credibilidade de sistemas informáticos como meio de demonstrar a verdade.
De outro lado, em 2001, quando do escândalo da violação do painel eletrônico de votação do Senado, eu já era Vice-Presidente da Comissão de Informática da OAB-SP, então presidida pelo meu colega de blog, Marcos da Costa, e resolvemos trazer a questão para observação da comissão; assim, realizamos alguns debates sobre o tema, nos quais ouvimos o perito que investigou a violação do painel, técnicos do TSE e críticos da urna eletrônica. Na esteira dos acontecimentos, acabei indicado pela OAB-SP para acompanhar as votações paralelas (uma espécie de "auditoria" promovida pela própria Justiça Eleitoral) em SP e, depois, pelo Conselho Federal da OAB, para fiscalizar o desenvolvimento e instalação dos programas, junto ao TSE. Aos poucos, pretendo comentar um pouco dessas experiências todas aqui no blog, pois delas extraí minhas conclusões pessoais sobre nosso sistema eleitoral. E acredito, portanto, que devam servir para que os leitores ponderem e tirem suas próprias conclusões.
Começo essa sequência de textos trazendo à baila algumas das manifestações de Bruce Schneier. Comecei a ler seus textos sobre segurança da informação ainda no final da década de 90. Para quem não o conhece, Schneier é um dos mais respeitados "gurus" na área de segurança da informação. Reúne formação acadêmica com experiência profissional no mundo "real"; é autor de livros e de sólidos algoritmos criptográficos. Ao que me lembre, foi em Schneier que me deparei com as primeiras análises críticas aos sistemas eleitorais informatizados, em dois pequenos "posts" que ele publicou no "Crypto-Gram", seu boletim mensal sobre segurança da informação, o primeiro em dezembro de 2000 , motivado pelos problemas ocorridos na Flórida durante a eleição presidencial norte-americana, e o outro em fevereiro de 2001.
No seu primeiro texto, de 2000, "Voting and Technology", Schneier afirma que a meta de um sistema de votação é fazer com que a intenção do eleitor resulte em um voto finalmente somado ao candidato por ele escolhido. Entretanto, entre o voto manifestado pelo eleitor e o resultado final da eleição ocorrem algumas etapas de "tradução" ou transposição dessa vontade e, segundo ele, os problemas ocorridos na Flórida foram fundamentalmente provocados pelas muitas etapas em que se fazia necessária essa "tradução", pois a cada etapa existem novas chances de ocorrerem erros:
"O sistema de Palm Beach tinha muitas etapas de tradução: eleitor para a cédula, para o cartão perfurado, para o leitor de cartões, para o tabulador de votos e para o totalizador central".
Reconhecendo que o sistema da Flórida era antiquado (o que parece óbvio), Schneier afirma, porém, que "tecnologias mais novas não fariam os problemas desaparecer magicamente". Ao contrário, "poderiam até piorar as coisas, acrescentando mais etapas de tradução entre os eleitores e os contadores de votos e evitando recontagens".
E prossegue:
"Eis minha principal preocupação acerca da votação por computador: não há nenhuma cédula em papel para recorrer de volta. Máquinas de votação computadorizada, tenham teclado e monitor ou uma tela sensível ao toque como as ATMs, podem facilmente piorar as coisas. Você tem que confiar no computador para registrar os votos corretamente, entabular os votos corretamente e manter registros precisos. Você não pode voltar às cédulas de papel e tentar descobrir o que o eleitor queria fazer. E computadores são falíveis; alguns dos computadores de votação nesta eleição falharam misteriosa e irrecuperavelmente".
E o que ele sugere?
"O sistema ideal de votação minimizaria o número de etapas de tradução e faria as remanescentes o mais simples possível. Minha sugestão é um computador de votação parecido com uma ATM, mas que também imprima uma cédula em papel. O eleitor confere a cédula para confirmação e então a deposita em uma urna lacrada. As cédulas em papel são os votos 'oficiais' e podem ser usados para recontagem e o computador proporciona uma rápida contagem inicial".
Entenderam? Schneier não é exatamente alguém que se possa dizer "avesso à tecnologia", certo? Nem que "não entende nada de tecnologia"...
Schneier voltou a escrever muitas outras vezes sobre o uso de computadores nas eleições e o voto remoto pela Internet. Vale a leitura. Uma busca no Crypto-Gram resultará em vários outros textos seus sobre o assunto. Talvez eu ainda volte a trazer a este blog outras citações suas.
Ao final deste seu texto publicado em 2000 Schneier afirmou que "O" web site sobre votações eletrônicas é esse aqui, mantido pela doutora Rebecca Mercuri. Li vários de seus textos e também a tenho como importante referência sobre o tema.
PS: Traduções deste autor-blogueiro. O texto original está no hyperlink indicado.
2 comentários:
urna que imprime votos já existe no Brasil
Caro Anônimo,
Engano seu. A impressão de votos foi criada por lei após o escândalo do painel do Senado. Mas não chegou a ser implementada na única eleição em que vigorou, senão em algumas poucas cidades. Para a eleição seguinte, de 2004, a lei foi alterada e retirou-se do texto a impressão do voto. Ela retornou novamente nas últimas modificações feitas na lei eleitoral, mas não haverá tempo de implementar na eleição de 2010. E já apresentaram projeto de lei para acabar novamente com a impressão.
Dinheiro para gastar com biometria - uma mera perfumaria no contexto em que está sendo usada - existe; para impressoras não.
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