O Brasil é mesmo um país peculiar! Alguns se gabam da tecnologia que pensamos ter, quando criamos monstrengos como a Urna Eletrônica, a ICP-Brasil, as declarações de renda cem por cento enviadas pela Internet, peticionamento eletrônico ao Judiciário, videoconferência de presos, tudo coisa que dá uma certa aura de modernidade ao Estado brasileiro, mas que no fundo, é uma casca de maquiagem hi-tech a encobrir os principais problemas do setor público, estes na verdade crônicos e aparentemente invencíveis...
Quando a tecnologia pode ser usada em prol da Cidadania, da Democracia, da Liberdade de Expressão, do Acesso à Justiça, o Estado se mostra, no entanto, bastante avesso a seu uso.
Vejam vocês que está em trâmite um projeto para "regular" a propaganda eleitoral por meio da Internet. A "obra" já recebeu críticas arrazadoras do comentarista Fernando Rodrigues, do UOL, bem sintetizadas no trecho que reproduzo abaixo:
"O principal problema é que o excesso de regras inibirá o movimento dos candidatos com menos recursos de entrarem com tudo na rede. Haverá muita dúvida legal sobre incentivar a criação de grupos de relacionamento e outros mecanismos de comunicação interativa. Quem não tem assessoria jurídica pode ficar com medo de avançar pelo risco (real) de ser processado até a morte pelo candidatos mais poderosos. Dessa forma, a regulação extremada mata o que há de melhor na internet em campanhas eleitorais: a liberdade total que ajuda a renovar a política.
Os políticos brasileiros não querem renovação. Querem manter o status quo." (grifei)
Analisar o projeto como um todo é trabalho para mais do que uma mensagem de blog. Quem sabe ainda voltemos nisso depois... Ficarei, por ora, com a discussão daquilo que me parece mais essencial.
Embora não seja eu nenhum especialista em Direito Eleitoral, como um mero cidadão que se interessa por política tenho, já há bastante tempo, uma forte sensação de que nossas eleições padecem de regras demais. Regras demais suscitam incidentes demais. Incidentes demais suscitam questões demais a serem decididas por juízes. Nada contra os juízes, também muito essenciais para o Estado de Direito, mas o problema, aqui, é que, tratando-se de uma eleição democrática, o juiz supremo para estes tipos de conflito haveria de ser o povo, este ente frequentemente esquecido pelas nossas esferas de poder.
Em termos ideais, e possivelmente inatingíveis, eleições não deveriam ter regras. Cada um faz o que quer, diz o que quer, e o povo, juiz supremo, que julgue quem merece ocupar as magistraturas eletivas da Nação. Se alguém se comportou mal na campanha, que o povo o diga.
Admito que há um pouco de utopia nisto que falei acima. Mas... por que não pode ser assim? Penso que o principal problema numa eleição regida pelo "vale-tudo" seria o abuso do poder econômico ou político (por quem o detém, claro). Estes dois poderes, (in)devidamente abusados, desequilibram a disputa ao dar infinitamente mais exposição aos seus favorecidos, ou obscurecer a apresentação dos oponentes ao eleitor. Neste sentido, regras sobre eleições podem fazer sentido para, e somente para, equilibrar a disputa, neutralizando o efeito destes poderes. Esta é, na minha opinião, a única razão que deveria orientar regras jurídicas sobre o procedimento das eleições políticas. Curiosamente, nosso cipoal de regras eleitorais não parece ser suficiente para minimizar esta influência dos poderes político e econômico... regras demais, eficácia de menos!
Dentro deste prisma, pode, então, fazer sentido regular as propagandas na TV e no Rádio. Essas são bens escassos e, principalmente, caros. Não é o que ocorre com a Internet. Não desconheço o fato de que um bonito website possa custar algumas centenas de milhares de reais; mas também pode sair de graça! Além disso, a dinâmica de trabalho voluntário que a Sociedade em Rede propiciou - vide, por exemplo, o modelo de desenvolvimento de software livre, ou de sites colaborativos como a wikipedia - pode permitir a criação de sofisticados meios de comunicação do candidato com seus eleitores, bastante competitivos, a custo verdadeiramente zero (não calculado, claro, o valor econômico das horas de trabalho voluntário dos possíveis apoiadores).
Além deste aspecto econômico, ainda há outro que parece ser ainda mais essencial, na comparação das mídias: TVs e Rádios são mídias lineares. Quem está sossegado em sua casa, assistindo à novela, ao show de calouros, ao telejornal, "reality show", etc., é atingido involuntariamente pela propaganda (eleitoral ou não), sem alternativas práticas (suponho que quem quer continuar a ver o resto da novela, ou do show, deixará correr aquela publicidade diante dos seus olhos e ouvidos... aliás, parece ser o que acontece!). A Internet, como se sabe, é uma estrutura em rede. Não tem esta linearidade compulsória da TV e do Rádio. O internauta entra onde quiser, fica ali o tempo que quiser, volta quando quiser.
A paridade de armas, na campanha pela Internet, está estabelecida por si. Nada me faz crer que aquele website que custou um milhão de reais com a mais moderna tecnologia de ponta vá atrair mais votos do que um mais simples, produzido sem custo (aliás, lembro que muita tecnologia pode fazer o caro website não funcionar em todos os browsers...). Regras demais, como parece ser o caso do projeto em questão, só vão servir para estragar esta competitividade inata da rede e, principalmente, subtrair do juiz supremo (o povo, é bom lembrar!) o julgamento final. E, claro, para fulminar a chance de um debate político mais sério e profundo, não essa coisa pasteurizada que nos oferecem a cada dois anos. Ou, pior, para impedir que algo novo possa aparecer, como fruto de uma nova Sociedade em Rede e de uma população crescente que participa de mídias sociais e novas formas de interação.
Assim, vou dar minha única sugestão neste sentido de equilibrar a disputa: os sites do TSE e dos TREs indicarão um link para uma página central de cada candidato. Pronto! Todos podem ser localizados por seus eleitores.
E minhas tendências libertárias ainda sugerem que poderíamos tentar experimentar dar liberdade total aos candidatos: digam na Internet o que quiserem! Critiquem, proponham, acusem, xinguem até a mãe do oponente. E o ofendido se defende no seu próprio site, se quiser; o eleitor-internauta deve ser suficientemente esperto para encontrá-lo, se quiser saber a sua versão. Nada, portanto, de ficar regulamentando direito de respota em blogs, como absurdamente proposto no projeto! Deixem escrever, afinal, ninguém é obrigado a ler isso até o fim... e lembrem-se: o povo estará julgando!
2 comentários:
Acredito que a discussão visando a melhoria dos serviços públicos é sempre válida. Mas achar que urna eletrônica, declaração de imposto pela internet e processo judicial eletrônico são "monstrengos" é um exagero. Além de ser uma depreciação de trabalhos feitos por brasileiros altamente competentes. Não por acaso são projetos mundialmente reconhecidos.
Comento o comentário deixado por um Anônimo. Em primeiro lugar, agradeço a visita e digo que estamos, eu e meu colega de blog, sempre dispostos a discutir as questões abordadas aqui. Mas sinto dizer que você se encaixou na frase inicial do post. É mais um que se gaba da tecnologia que pensamos ter (mas não temos). Sei que fiz críticas superficiais a essas três maravilhas da tecnologia nacional, mas não faltará oportunidade de desenvolver o assunto noutros posts, com mais profundidade.
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