sábado, 8 de maio de 2010

Críticas à votação totalmente eletrônica - II

Prosseguindo nesta série de considerações sobre votações totalmente eletrônicas, tentarei resumir neste pequeno texto as opiniões da Dra. Rebecca Mercuri. Como mencionei no texto anterior, Bruce Schneier afirma que "o" web site sobre votações eletrônicas é justamente o dela (aqui). Em breve apresentação, ela é PhD pela Universidade da Pensilvânia e considerada uma das maiores especialistas em votações por computador. Sua tese, "Electronic Vote Tabulation: checks and balances", analisa amplamente a questão. Alguns outros textos seus, mais curtos e disponíveis na web, cuja leitura é recomendada, são:

Paper v. Electronic Voting Records – An Assessment

Rebecca Mercuri's Statement on Electronic Voting


Neste último, curto e direto, a Dra. Mercuri resume as razões pelas quais, como dito desde logo no primeiro parágrafo, ela é "firmemente contrária ao uso de qualquer sistema totalmente eletrônico ou baseado na Internet para uso em votações eletrônicas anônimas e aplicações de totalização dos votos" (grifei).

Um detalhe que merece destaque nessa frase: "votações anônimas", ou, noutras palavras, o voto secreto. Para quem pensa que a tecnologia pode tudo, o grande complicador para a realização de eleições totalmente eletrônicas é conciliar a auditabilidade com o sigilo do voto. Registros eletrônicos, por imateriais, são amplamente manipuláveis. Essa é, aliás, a dificuldade em aceitá-los como prova em um processo judicial (v. a esse respeito, meu já decenal artigo sobre "O documento eletrônico como meio de prova"). A confiabilidade de registros eletrônicos é fortemente dependente da possibilidade de rastreá-los e identificá-los. Sem isso, são frágeis como palavras escritas na areia. Mas como o sigilo do voto é um valor fundamental do regime democrático, caímos então em um problema intratável.

Voltando à Dra. Rebecca Mercuri, destaco aqui alguns dos seus argumentos que considero mais significativos, extraídos da relação apresentada no segundo texto supra citado. Começando pelo mais simples e explícito:

"Sistemas totalmente eletrônicos não proporcionam nenhum meio pelo qual o eleitor possa realmente verificar se o voto dado corresponde àquele que foi gravado, transmitido ou totalizado. Qualquer programador pode escrever um código que exibe uma coisa no vídeo, grava outra, e imprime ainda um outro resultado. Não existe nenhum jeito conhecido de assegurar que isso não está acontecendo dentro de um sistema de votação" (grifei).

Outra justificativa bastante significativa:

"A votação e tabulação eletrônicas transformam em meramente procedimentais as atividades desempenhadas pelos que trabalham na eleição, impugnantes e autoridades eleitorais, e removem qualquer oportunidade de realização de conferências bilaterais. Qualquer processo de eleição computadorizada é, pois, confiada ao pequeno grupo de indivíduos que programam, constroem e mantêm as máquinas de votação" (grifei).

Ou, ainda:

"Sistemas de votação eletrônicos sem impressão individual para exame pelo eleitor não proporcionam uma trilha auditável independente (apesar do fabricante afirmar o contrário). Como todos sistemas de votação (especialmente os eletrônicos) são passíveis de erro, a capacidade de também realizar uma contagem manual das cédulas é essencial".

Quem acredita que a impressão do voto, como defendida pelo relatório do CMInd e por muitos outros pelo mundo afora, é um retorno ao passado, na verdade vive num futuro ilusório que nunca chegou. A capacidade de realizar de modo totalmente eletrônico uma eleição secreta e democraticamente auditável ainda não foi descoberta (se é que será, pois se trata de um paradoxo conceitual) por ninguém. E, sinto dizer, nem pelos brasileiros, nem pelo TSE. Nossas eleições, como apontado no citado relatório, não são livre e independentemente auditáveis!

PS: Traduções deste autor-blogueiro. O texto original é encontrado nos hyperlinks indicados.