Há uma tendência em nossos dias de supor que, usando alguma tecnologia moderna qualquer (e quanto mais moderna, melhor), é possível incrementar a segurança de qualquer coisa. Às vezes, isso mais parece fruto da intervenção de interesses econômicos, para desovar no mercado tecnologias interessantíssimas que ninguém parece disposto a comprar espontaneamente. Meu lema nesse assunto é a imbatível frase de Bruce Schneier: "se você pensa que a tecnologia pode resolver seus problemas de segurança, você não entende nem de tecnologia, nem de seus problemas". E, como ele costuma dizer, segurança é um processo, é uma corrente, não é um produto. Sendo uma corrente, é tão resistente quanto seu elo mais fraco.
Pois leio nos jornais online que os vereadores de Campinas aprovaram o uso de pulseiras eletrônicas nas maternidades para, segundo se diz, "evitar sequestros ou desaparecimentos de recém-nascidos". Há algo de equivocado nesse raciocínio, pois o argumento, lustroso à primeira vista, evidentemente não fecha. Diante de situações tão dolorosas, sempre se pergunta com indignação: quem pode ser contra evitar o sequestro de indefesos recém-nascidos? É o primeiro passo para demonizar a crítica.
Se a pulseira pretende evitar o sequestro, estou a me perguntar de que material é feita. Aço? Fibras de carbono? Porque se for feita de qualquer coisa que possa ser quebrada com um bom alicate, parece claro que um sequestrador não será suficientemente idiota para deixar a pulseira no sequestrado. Mas, claro, já tive nenezinhos e sei que tais materiais não parecem muito apropriados para o seu corpo e pele delicados.
Até pode ser que, no início, alguns desavisados sejam pegos pelo "eficiente" sistema, mas assim que se souber que há uma pulseira eletrônica nos bebês, quem quer que tente sequestrar um saberá desde logo que é necessário neutralizá-la.
Mas, mais do que isso, para levar um bebê que não é seu para fora da maternidade, suponho que seja necessário concorrer uma porção de falhas de segurança: alguém consegue acesso ao berçário, sai com um nenê pelos corredores e, pior, consegue passar por uma portaria e levá-lo porta afora do hospital. Se fosse para usar tecnologia, câmeras internas de vigilância (claro, com um vigilante 24 horas na outra ponta) que impedissem o acesso indevido ao berçário (onde, supõe-se, já deveria ter alguém trabalhando permanentemente porque nenês não podem ficar sós), além de um controle eficiente nas portarias talvez sejam muitíssimo mais úteis do que - sem fazer nada disso - acreditar que bugigangas eletrônicas no pulso ou tornozelo das crianças resolvam o problema por si sós.
Se é para evitar a troca de nenês... bem, já se coloca neles uma pulseira "analógica". Se erros grosseiros de funcionários ocasionam a troca dessas, não há porque supor que a eletrônica não será também trocada.
A Câmara de São Paulo aprovou medida semelhante, vetada - com razão, em minha opinião - pelo Prefeito. Diz a matéria que, "no veto, o prefeito relata que, consultada, a Anvisa informou não haver no mercado produto testado e registrado". Pois é... vejam vocês que nem sequer existe produto suficientemente testado no mercado. Apaixonados pelo problema, aprovaram por lei o que nem existe.
A experiência tem me demonstrado que nossos legisladores por vezes aprovam o uso de tecnologia apenas movidos pela relevância da questão em tese e pelos bons motivos declarados no projeto, mas sem minimamente especular se e como a coisa funciona e se a tecnologia empregada é mesmo capaz de resolver o problema, ou se não vai criar outros novos problemas. É uma pena. O Legislativo deveria ser o foro mais adequado para esses juízos de conveniência e para um debate mais amplo.
Outro exemplo desse tipo de pseudo-segurança é a instalação obrigatória de GPS nos automóveis. Como medida de segurança, assim como as pulseiras nos nenês, servirá para pegar alguns punguistas desavisados enquanto o produto ainda for novidade. Sabendo que todos os carros terão um localizador, o antenado puxador de veículos também fará um "investimento" em tecnologia para sua "profissão" e comprará por 50 reais um bloqueador de sinal.
O equipamento, então, só servirá para rastrear pessoas honestas que circulam nos seus próprios veículos, deixando uma sombria margem de manobra para pensamentos totalitários, ou para bandidos em geral se infiltrarem nos serviços de rastreamento e localizarem suas vítimas com a ajuda do satélite. Sim, porque a primeira preocupação que me vem à mente, quando penso em um serviço desses é: quem é o funcionário dessas empresas que tem acesso à minha localização? Quanto ganham por mês? Em que condições foram selecionados e contratados?
Não dá para encerrar esse texto sem falar de outra tolice tecnológica, ainda mais cara e inútil: a tão propalada biometria que o TSE está instalando nas urnas eletrônicas. Contra o que isso pretende atuar? Segundo se diz, foi implantada para evitar que mesários desonestos, ao final do dia, votem pelos ausentes, ou que alguém consiga se fazer passar por outrem e votar duas vezes.
Há um problema nesse modelo. O primeiro é que sistemas de controle biométrico têm uma margem razoável de falhas e a eleição só acontece naquele dia. Não parece muito democrático que um falso negativo impeça o eleitor de votar no dia da eleição e o TSE sabe bem disso. Por isso, o sistema prevê que o mesário - excepcionalmente, claro!!! - autorize o eleitor a votar, se ele for mesmo ele (!?) mas o leitor biométrico disser o contrário... Parece inútil, não parece?
Em contrapartida, nossas digitais estarão digitalizadas (se permitem a expressão) em alta resolução e armazenadas em uma dessas bases de dados que o Estado brasileiro é incapaz de proteger. Daqui a alguns anos, será possível adquirir as digitais de todos os brasileiros em algum disco blue-ray vendido pelos camelôs do centro de São Paulo.
Considerando que em uma eleição o voto é anônimo e, no fundo, importa menos saber quem é quem do que impedir o eleitor de votar duas vezes, alguns países adotam solução bem mais barata: tinta indelével. E, claro, não há democracia sem participação popular e FISCALIZAÇÃO.
Há anos, desde a implantação das urnas eletrônicas, querem convencer os brasileiros que a tecnologia, por si só, vai resolver todas as fraudes eleitorais. Mas é claro que a tecnologia não é capaz disso! Em contrapartida, tornaram inútil e desinteressante a fiscalização eleitoral pelo povo e pelos partidos, provocando uma indesejada desmobilização, em prejuízo dos valores democráticos. Parece ser mais importante votar em dois minutos, sem filas, e voltar correndo para a praia do que PARTICIPAR do processo eleitoral! É a pasteurização da democracia.
Contra mesários desonestos, a presença do povo e dos fiscais partidários é a melhor solução, ou, se for para adotar tecnologia, uma pequena câmera que registrasse a movimentação na sala de votação os inibiria de entrar novamente atrás do biombo. O uso de biometria nas urnas é mais uma ilusão, a se somar à pseudo-segurança da própria urna.
Um comentário:
A verdade ! A Campinas deveria pensar sobre [esta nota->http://www.libebordeaux.fr/libe/2010/04/b%C3%A9b%C3%A9s-sous-alarme-une-m%C3%A8re-sur-deux-refuse-le-dispositif.html] del periodico frances Libération, que conta que 1 mama sobre 2 rechaza o "pulseira antisequestro"...
Busco datos (notas, articulos juridicos, etc.) sobre o biometria en America latina (e Brasil), si voce tem cosas imprendiscibles de leer, lo agradeceria por toda informacion (a mandar al contacto email sobre mi blog).
Disculpa mi portugues,
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