quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A Urna-E em NY: uma eleição eletrônica auditável em país democrático

Estou acompanhando com certa atenção as notícias sobre as eleições legislativas nos Estados Unidos. Na verdade, estou menos preocupado com o resultado da votação do que com o seu procedimento. Ultimamente a minha curiosidade reside em saber como os outros votam. Uma questão que quase não se ouve falar por aqui, quando se discute a nossa mitológica reforma política, é realizar eleições legislativas separadas das do executivo. É assim em inúmeros países. Aqui, o deputado já começa a ser um vassalo do executivo no momento de pedir votos para assegurar sua vaga...

Mas este é um blog sobre direito e tecnologia, certo? Então vamos passar para o assunto que motiva mais este post. Alguém reparou na urna eletrônica de Nova York, mostrada no Jornal Nacional? Pois ela pode ser vista aqui, a partir dos 2 minutos do vídeo. Ou na imagem abaixo:

A urna é um scanner que lê a cédula em papel, provavelmente já soma os votos para realizar uma apuração rápida e automatizada, como ocorre nestas paragens, mas guarda em compartimento lacrado o "paper trail" que permite recontagens e conferir se a apuração eletrônica realmente corresponde à vontade do eleitor. Pois é, se alguém acreditou nos "reclames" do TSE que dizem que nossa eleição eletrônica é 100% segura, utilizada e admirada por muitos países do globo, talvez se decepcione em saber que nosso modelo inauditável não "pegou" em nenhum país do primeiro mundo, como já mencionei noutras vezes aqui no blog.

Curiosamente, as duas matérias que vi (também saiu algo, levemente diferente, no Jornal da Globo) tangenciaram essa questão da urna e pareceram mais focadas em mostrar como a eleição por lá é "complicada". Facilidade, no entanto, não é sinônimo de democracia! Se o povo é chamado a eleger não apenas os mandatários para três ou quatro cargos, mas para decidir 19 questões, é claro que a cédula deve conter campos suficientes para isso tudo e exigir que o eleitor preste alguma atenção no que está fazendo.

Na matéria do Jornal da Globo, mostraram que uma eleitora demorou 10 minutos para preencher o seu voto... O que são 10 minutos quando se está decidindo os destinos de seu país ou da região em que vive? Além disso, 8 dos 10 minutos foram gastos pela eleitora para preencher os 19 itens da cédula. Bem... o scanner demorou outros dois... Mas o que são dois míseros minutos?

Quando, como representante da OAB, participei da fiscalização da eleição eletrônica junto ao TSE, às vezes parávamos todos, técnicos e fiscais, em uma roda em torno do café para discutir amenidades. Ao surgir a questão da então recém fulminada impressão do voto - que vigorou por uma única eleição, a de 2002, e em poucas seções eleitorais - um dos responsáveis técnicos do TSE mostrou seus argumentos contra essa experiência: formava fila! O eleitor, que, diga-se, não havia sido adequadamente instruído a usar essa outra urna com impressão (vejam que difícil: ele precisava apertar OK mais uma vez, ao final, à vista da cédula impressa...), parece ter-se atrapalhado um pouquinho e demorou mais para votar, causando filas diante das seções eleitorais...

Desde então, delicio-me em ver nos noticiários televisivos as longas filas que se formam nas eleições de outros países, como é o caso dos EUA, em que o voto nem é obrigatório.

Aqui no Brasil há fila para tudo: nos hospitais públicos, nas prateleiras do Judiciário, nos aeroportos... Só para votar é que não podemos pegar fila. O importante é votar em dez segundos e correr para a praia!

7 comentários:

Antonio Roveroni disse...

Certamente há democracias e democracias. E ficou bem enfatizado que os tipos de democracias estão diretamente ligados aos tipos de povos e modelos de cidadania de cada país. No nosso caso, mais que "votar rapidinho" para correr para a praia é ver a eleição como um "show pirotécnico" e transformar o exercício de soberania que é o voto em uma simplória participação em uma platéia. Estamos discutindo isso na Rede Ciberjuris, no Fórum "Em quem você vai votar? (http://ciberjuris.ning.com/forum/topics/em-quem-voce-vai-votar)... que deixo aqui para "engrossar o caldo".
Saudações

Jorge Stolfi disse...

É mentira que não haja fila aqui no Brasil. Eu fiquei quase uma hora na fila nas eleições de 2008, e meu filho ficou mais que isso.

Na verdade a urna eletrônica brasileira *favorece* as filas porque serializa a votação: só pode haver uma cabine por seção, e portanto se um eleitor fica meia hora na cabine, todo mundo tem que esperar. A culpa é o defeito crasso de projeto que é combinar o reconhecimento do eleitor e o registro do vot numa só máquina. Além de criar filas, esse esquem possibilita a violação sistemática do sigilo eleitoral.

Infelizmetne, nesses 14 anos o TSE se colocou numa posição tal que ele agora é obrigado a mentir descaradamente para a população. Há 14 anos que ele diz "nós TSE somos maravilhosos porque criamos essa urna perfeita e maravilhosa". Agora eles não podem mais corrigir os defeitos da urna, por mais boçais que sejam; porque fazer isso seria admitir que a urna não é maravilhosa --- e portanto o TSE não o é.

Se colocarerm o registro material do voto (voto impresso ou leitora ótica), por exemplo, isso significaria admitir que a eleição pode ser fraudada por software. E todo eleitor vai perguntar "uai, quer dizer que o TSE andou nos enganadno nesses 14 anos?"

Só vamos ter uma urna segura depois que a "Justiça" Eleitoral Brasileira for demolida e reconstruída, respeitando a separação de poderes e a soberania do povo.

Rodrigo Veleda disse...

Isto porque tu ainda não viste a medonha propaganda do TSE sobre como as outras nações babam de invejam, espumam de raiva por não terem as superpoderosas urnas eletrônicas brasileiras.

Não Sou Um Número

Augusto Marcacini disse...

Rodrigo, eu vi essa propaganda na TV, só não sabia que estava disponível na Internet. Obrigado pelo link.

Rubens disse...

Guto, o último parágrafo diz tudo! Pra este tipo de coisa ninguém quer saber de fila, né?

EMB disse...

Existe aqui um risco claro que quebra de sigilo no voto... Eu creio que o mais interessante é a proposta onde você vota eletronicamente e a urna dá, e somente ao eleitor, a confirmação do voto realizado; desta forma, ficamos com a agilidade da apuração eletrônica com a garantia do voto realizado... Isto aliado com a biometria pode reduzir muito as fraudes...

Augusto Marcacini disse...

EMB, publico seu comentário e o respondo:

Se existe um "risco claro" de quebra do sigilo do voto, sugiro que o descreva com precisão. O "paper trail", seja impresso, seja preenchido para leitura ótica, ficará guardado no local de votação, para posterior conferência. O mundo todo adota esses modelos, sem nenhum "risco claro" de quebra do sigilo do voto. Cientistas da área da computação, aqui e em outros países (alguns que são grandes referências na áreas, aliás), recomendam o uso de trilhas físicas como ÚNICA forma viável de auditar eleições eletrônicas. Até agora, os únicos "entendidos" em informática que encontraram riscos ao sigilo do voto foram os "cientistas" do TSE, da PGR e do STF.

Riscos grandes ao sigilo do voto foram os implementados pelo TSE: o tal "registro digital do voto", que mostrou ser passível de desembaralhamento pelo Prof. Diego Aranha, nos poucos testes autorizados em nossa urna, e a biometria, que também atenta contra nossa privacidade individual.

Fico à disposição para publicar sua exposição sobre os "riscos claros" a que se referiu.