Em um momento em que o país assiste ao trâmite de uma proposta de novo Código de Processo Civil, supostamente (não estou nem um pouco convencido de que atingirá o objetivo!) voltada a eliminar o formalismo excessivo que - segundo quem defende o projeto - existiria no atual Código e seria a causa da insuportável lentidão da Justiça, talvez fosse o caso de perguntar: esse formalismo exagerado realmente existe na lei ou somente na mentalidade dos intérpretes? O profissional do Direito não extrapola, por vezes, na burocracia? Esse é um assunto que certamente daria margem à elaboração de longos tratados, mas meu objetivo, com este pequeno texto, é apenas comentar um fato recente que chamou a minha atenção.
Pois estive nesta semana na Secretaria de um Tribunal daqui de São Paulo e, como sempre, ir ao Fórum e observar o que acontece na nossa realidade é tarefa que invariavelmente nos ensina algo, ou nos induz a um pouco de reflexão. Visitas constantes às sedes judiciais deveriam ser obrigatórias a todo aquele que pretenda estudar profundamente o Direito, especialmente o Processual. Não existe lei no vácuo!
Estando com os autos que consultava sobre o balcão, saquei do bolso meu celular e pus-me a fazer umas poucas fotos de suas peças. Anos atrás, copiaríamos à mão, ou pediríamos para tirar "xerox"; hoje, todos estão fotografando, não havendo nenhuma novidade nisso que eu fazia. Logo, um funcionário viria me perguntar quais eram as folhas que eu estava a fotografar. Saiu da mesa em que trabalhava para - muito educadamente, assinale-se - fazer esta intervenção. Já não entendi para que serviria tal pergunta, mas, claro, respondi-lhe também muito polidamente e continuei o meu serviço.
Dali a alguns instantes, observei que o diligente funcionário já estava de volta, próximo a mim, do outro lado do balcão, portando um daqueles livros de registro de capa dura, com folhas numeradas, que eu pensava já estivessem extintos desde a última onda de informatização daquela Justiça, relativamente adiantada tecnologicamente. Costumavam usá-los para livros de registro de carga dos autos, entre outras anotações internas com as quais jamais me familiarizei completamente.
- Um documento com foto, por favor - disse-me ele, sempre muito gentil.
Dei-lhe minha carteira de advogado, enquanto terminava de fotografar os autos. Ele aguardou ali, pacientemente, mais uns três ou quatro "clicks". Perguntou-me, então, quais foram as folhas fotografadas. Respondi.
- O doutor pode fazer a gentileza de assinar aqui?
É claro! Vi, então, a que se prestava o dito livro. Data, número do processo, número das folhas fotografadas e minha identificação foram registradas ali, ocupando uma linha da sóbria página. Como ainda não havia visto isso em nenhum outro órgão judicial, não resisti a lhe perguntar, pois afinal viemos ao mundo para aprender:
- Esse registro serve para dar melhor controle, para auxiliar o trabalho?
- É só um controle interno!
- E permite...
- Não é nada, é só um controle interno! Respondeu-me ele, aparentemente sem também saber para que o livro serviria.
Desde então, estou noites sem dormir, a pensar que serventia teria tal registro, feito à mão, em um livro que não permite qualquer forma rápida e eficiente de indexação, busca ou recuperação das informações. A poucos dias de iniciar a segunda década do Século XXI, quando a palavra de ordem é o tal do "processo eletrônico", por que criaram tal livro? Ademais, pensei comigo, se eu houvesse retirado os autos em carga, pois gozo dessa prerrogativa, teria copiado todos os volumes sem que a Secretaria jamais viesse a saber. Mas, sabendo a Justiça que eu, naquela data, fotografei aquelas precisas folhas... e daí? Para que serve essa informação?
Em todo caso, se, como diz o conhecido critério exegético, a lei não contém palavras inúteis, é de se supor que funcionários públicos também não desempenhem tarefas inúteis. Isso tem que servir para alguma coisa!
Se alguém que lê este blog souber me dizer para que serve esse livro, que tipo de segurança propicia (contra quem ou contra o que), ou qual solução permitirá caso algum mal (qual?) futuramente aconteça, estou ansioso por saber, portanto, peço encarecidamente que deixe aqui seus comentários! Ou ficarei anos sem dormir, morrerei, talvez, com essa dúvida!
Não ignoro, evidentemente, que o episódio aqui descrito não é a causa dos males da Justiça. É apenas uma gota no oceano do formalismo e da burocracia. Mas, de gota em gota, uma tempestade inunda cidades inteiras.
E, claro, sempre pode ser lembrado que esse livro de registros não está previsto no atual CPC... aliás, em nenhuma lei que eu conheça.
Um comentário:
Augusto,
Vejo duas possibilidades: 1 -Controle para evitar a divulgação indiscriminada de cópias (caso aconteça), 2 - Intimação do advogado de atos praticados diante da consulta dos autos;
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