Em agosto de 2010, mais precisamente no saudoso Dia do Pendura, publiquei neste Blog uma mensagem intitulada O "Processo Eletrônico" vai resolver? na qual comentei que a morosidade decorrente da falta de tempo disponível para o juiz proferir uma decisão - problema que hoje muito nos aflige - não será vencida apenas pela informatização processual. E ali exibi o teor de uma "decisão" que bem ilustrava a dimensão do problema de falta de juízes suficientes (ou de processos excedentes...) que nosso Judiciário está enfrentando.
Pois ao longo desta semana que se encerra fui intimado de um outro despacho, igualmente tragicômico (grifos meus):
Fls. 520 - Ante a falta de espaço em Cartório, aguarde-se o julgamento do recurso no arquivo, cabendo às partes providenciarem o desarquivamento destes autos, no prazo de cinco dias, após a baixa do Agravo de Instrumento do Tribunal. Int.
Li isso e logo me veio à mente uma cena kafkiana, em sombrio preto e branco, em que os serventuários daquele Ofício já estariam tropeçando, sentando, escrevendo e comendo, quiçá até dormindo, sobre montanhas de autos velhos e poeirentos, que transbordam pelas portas e janelas, e vez ou outra se projetam em queda livre sobre a cabeça de algum pedestre desavisado que se arrisca a transitar pela Praça João Mendes. Orson Welles bem poderia ter filmado uma cena assim surreal...
O recurso aguardado, para melhor compreensão dos leitores, é um AIDD (Agravo de Instrumento contra Despacho Denegatório) que eu interpus em 09/09/2008, e faço questão de assinalar que falo disso com a alma despida de qualquer mágoa ou rancor, pois ao menos neste caso o cliente que defendo é o devedor do processo principal, uma execução que se iniciou em 2000... Embora julgue ter uma ponta de razão naquele recurso, nessas situações evidentemente não somos nós os que temos mais pressa. E, sem dúvida, não serei eu que me darei ao trabalho de solicitar o desarquivamento dos autos quando o recurso voltar (e nem pagar por isso), mas sim o meu nobre colega que patrocina os interesses da parte contrária.
Feitas essas explicações preliminares, e em confronto com meu texto de agosto passado, é possível afirmar que ao menos este problema relatado na intimação supra transcrita já é algo que a informatização do processo há de resolver! Falo, é claro, da falta de espaço em cartório (rogando ao Santo Byte que a informatização seja bem implementada e não venha a faltar, no futuro, espaço de armazenamento em disco para receber nossos humildes arrazoados e para hospedar a redentora sentença final!). Sim, pois, processos digitais não ocupam espaço em Cartório!
E assim, em confronto com a cena noir e melancólica que descrevi acima, já podemos visualizar aquela estética asséptica, luminosa e clean das ficções futuristas (algo como as cenas finais de "2001 Uma Odisséia no Espaço"...). Uma ampla, vazia e ofuscante sala branca, mesas limpas, nada mais do que tela, mouse e teclado sem fio fazem companhia aos servidores, vestidos em práticos trajes espaciais... enquanto os 17 milhões de processos que aguardam julgamento em SP são meros zeros e uns gravados em um sofisticado e refrigerado data center, situado a alguns muitos quilômetros dali, mas conectado pelas velozes infovias que transferem dados na velocidade da luz.
Já quanto ao problema de espera pela decisão... reitero aquela minha mensagem anterior! Sem informatizar (e sem dinheiro para informatizar...), o que urge ser feito, é claro que as coisas só vão piorar exponencialmente. Mas, para cumprir a "razoável duração do processo" prometida "a todos" em 2004 (EC nº 45), falta algo mais, bem mais, além do computador e da fibra ótica!
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