Em um "post" de 2009, relembrei aqui o inútil episódio do cadastramento de celulares pré-pagos como forma de combater a criminalidade, ao comentar que, anos depois, o México tomava essa mesma iniciativa.
Apenas para reavivar a memória, anos atrás, elegeu-se o celular pré-pago, então anônimo, como causa da criminalidade e da suposta dificuldade de combatê-la... e houve um estardalhaço nos noticiários mostrando o mal que o anonimato das linhas causava à civilização... No final das contas, o cadastramento podia ser feito online, sem, claro, precisar comprovar qualquer informação ali prestada. Este tolo que vos escreve tinha, à época, uma dessas linhas pré-pagas, e fez o cadastro online fornecendo seus dados verdadeiros. Mas suponho que o crime organizado não devia estar lá muito disposto a informar seu endereço correto... Até hoje, quem compra um chip GSM pré-pago pode cadastrá-lo pela própria linha! E também não me consta que tal medida tenha causado qualquer impacto sobre os obscenos níveis de violência ou criminalidade deste país.
Agora, mais uma vez, a culpa é do celular! A Câmara Municipal de São Paulo acabou de aprovar lei proibindo o uso de aparelhos celulares dentro das agências bancárias. A finalidade da norma é combater o chamado crime da "saidinha", em que um criminoso de dentro da agência informa seus comparsas lá fora, pelo celular, que alguém sacou importâncias elevadas em dinheiro e lhes passa a descrição da vítima... aí, o resto é com eles. Doze pessoas foram baleadas nesse tipo de golpe, em São Paulo, somente neste ano ainda pela metade, segundo divulgam os meios noticiosos.
Custo a crer que proibir os milhares de clientes que frequentam agências bancárias de usarem seus celulares vá produzir qualquer efeito sensível que melhore nossa segurança. O problema inicial é que há - e à solta! - um bocado de gente interessada em levar o dinheiro de quem faz saques bancários. E não parecem ser criminosos eventuais, daqueles lembrados no velho dito popular que diz que "a ocasião faz o ladrão". São profissionais do crime. Hoje, usam o celular. Se não puderem usar o celular, certamente encontrarão outro jeito de praticar o crime.
Além disso, tenho minhas dúvidas sobre a própria efetividade de uma tal proibição. Confesso que ainda não li o projeto de lei recém aprovado (em uma busca rápida não o encontrei), para verificar qual é exatamente o seu texto, e se a proibição recai sobre o uso ou sobre o mero porte do aparelho. Ou se há nele alguma inusitada e genial regra de operacionalidade para fazer com que a lei "pegue". Mas vamos pensar nas possibilidades...
A proibir-se o porte, em uma sociedade em que há mais aparelhos celulares do que pessoas e praticamente todos carregam um consigo, é de se duvidar da capacidade de efetivação de uma regra assim. Os bancos já criaram armários de uso provisório para que seus clientes deixem do lado de fora malas, bolsas ou volumes maiores que possam conter armas. Farão o mesmo para celulares? Se esses armários são hoje utilizados apenas por alguns clientes, o recolhimento de aparelhos atingirá praticamente todos os que entram nas agências. E será que alguém, disposto ao crime, não conseguirá ludibriar os controles e lograr entrar dentro da agência com um aparelho? Como o banco coibirá um cliente já dentro da agência, ao notar que traz no bolso um celular?
E, também é legítimo perguntar, o que será feito dos aparelhos? Como serão guardados? Com o preço de aparelhos mais sofisticados superando facilmente a marca dos mil reais, talvez o ladrão de dinheiro se interesse agora em furtá-los, adequando-se às novas dificuldades do seu "mercado de trabalho".
Outra questão que me ocorre é que conforme os celulares estão tomando o lugar de computadores pessoais, o valor destes para o usuário ou para terceiros pode superar em muito o preço do aparelho em si. Em uma obra já clássica, que inaugurou nossa atual sociedade digital, Nicholas Negroponte, nos anos noventa, contava um episódio de sua vida pessoal em que, ao adentrar as dependências de uma empresa, foi indagado na recepção se portava um "laptop" (era assim que os chamávamos, nos anos 90), e qual o seu valor. Ao responder afirmativamente, disse que seu computador portátil valia, a grosso modo, algo entre um a dois milhões de dólares, causando perplexidade à recepcionista. Ela, então, pediu para ver o aparelho e anotou um valor estimado de 2 mil dólares, deixando-o, finalmente, entrar. Mas, como assinalou Negroponte, "enquanto os átomos não valiam tanto, os bits praticamente não tinham preço" (Being digital, 1996, p. 12). Que tipo de informações importantes, sensíveis ou valiosas carregamos em nossos aparelhos? E como será isso dentro de alguns anos? Será seguro deixá-las, com o celular, do lado de fora da agência?
E, se proibido for apenas o uso interno do aparelho, sem impedir que o cliente adentre a agência com um celular no bolso, como impedi-lo de usá-lo especialmente diante de muitas tecnologias existentes e futuras?
Notarão alguém com um minúsculo fone bluetooth no ouvido? E se ele se parecer com aparelhos para surdez?
Considerando um raio médio de dez metros coberto pela tecnologia bluetooth, e se o fone estiver conectado com o aparelho deixado do lado de fora?
Também há modelos em formato de óculos:
E se o celular for um relógio de pulso?
Será essa mais uma lei inútil? Aposto minhas fichas no "sim"...
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