Não gosto da expressão "processo eletrônico", como já escrevi várias vezes, pois em termos conceituais ela não para em pé. Se todos a usam - e ela tem um inegável apelo de marketing! - eu me permito escrevê-la entre aspas, como está no título acima.
Como todos sabem, o TJSP quer porque quer implantar um "processo eletrônico" às pressas. O que não se fez nos últimos dez anos, tentará ser feito em dez meses. Vim a saber que, para a migração de sistemas do Fórum João Mendes, teriam sido treinados dois funcionários de cada Cartório, para que estes ensinem os outros. Já ouvi, anos atrás, de outro juiz então responsável pela informática do Tribunal, que isso já não havia dado certo. O funcionário mal aprende para si, quanto mais para ensinar outros... Naquele momento, então, decidiram que só migrariam sistemas de um órgão judicial após treinar a todos. Pelo visto, reviram essa posição. E esse é apenas um dos pontos questionáveis de se tentar uma informatização assim afobada, mas não vou me alongar mais sobre essa questão.
O motivo do corrente post é comentar uma notícia veiculada no site do TJSP, no dia 15 último. O título é: "Surgem os primeiros frutos do processo eletrônico no FJMJ – sentença proferida em dez dias úteis".
Incrível, não? Se eu fosse um jurisdicionado comum, um qualquer do povo, passaria a acreditar que a justiça de meu país finalmente vai andar rápido. Rápido como um foguete! Ou melhor: rápido como a Internet!
A quem cursou regularmente um curso de Direito, infelizmente, a notícia tem todo o sabor de um exagero do setor de marketing. Diria até que, fosse divulgada por uma empresa privada, esta correria o risco de sofrer ação civil pública por propaganda desmedida. Mas vem do órgão público que há de julgar tais tipos de causas...
A notícia não divulgou o número do processo, para que eu pudesse ver os autos, ou ao menos as informações disponíveis na Internet, e tentar compreender como tudo pôde terminar tão rápido. Por isso, restou-me uma sensação de incompletude.
Afinal, se o prazo de defesa do réu, por si só, é de 15 dias corridos, contados da juntada do mandado de citação cumprido, como é que o processo todo poderia acabar em "10 dias úteis"? E o direito de recorrer? Não houve recurso? Réplica? Provas? Sem respostas a essas perguntas, não é possível compreender como um processo judicial regular pode ser dado por encerrado após 10 dias úteis!
A divulgação feita no site do TJ ao menos deixa antever que se trata de lide excepcionalíssima, um caso concreto literalmente de vida ou morte, que felizmente foi tratado com a necessária urgência por parte do magistrado. Se há um juiz decidido - e disponível - a ordenar imediatamente uma medida judicial e seu pronto cumprimento (não se diz na notícia como se procedeu a isso) para salvar a vida de um paciente grave, não me parece que o "processo eletrônico" tenha qualquer mérito nisso. Nos autos em papel, o mesmo também poderia ter ocorrido.
Divulgar um caso excepcional como um dos "primeiros frutos do processo eletrônico" é, infelizmente, pura ação de marketing. Para o bem ou para o mal, a Internet tem levado tribunais e outros órgãos públicos a divulgar notícias em seus websites como se entes privados fossem, apresentando com exagerados auto-elogios e uma estética publicitária os serviços que prestam à sociedade. Talvez seja eu um pouco antiquado, pois acredito que órgãos públicos têm o dever de prestar informações precisas, exatas e completas ao cidadão, como preconiza o inciso XXXIII, do art. 5º da Constituição Federal.
Como assinala Wallace Paiva Martins Júnior (Tranparência Administrativa, Saraiva, 2004), "como obrigação estatal ou resultante do exercício do direito de acesso, sujeita-se [a Administração] ao dever de veracidade, ou seja, os órgãos e as entidades da Administração Pública têm o dever de difusão pública de informações verídicas, com certeza, segurança e determinação quanto ao seu conteúdo, não se tolerando publicidade mentirosa, tendenciosa, maliciosa ou incompleta" (grifei).
Saliente-se que, como já tratei anteriormente aqui no blog, o STJ já divulgou notícia assim imprecisa e exagerada para exaltar os supostos benefícios do seu "processo eletrônico".
A informatização processual (expressão que prefiro), saliente-se, mais do que desejável é por mim ansiosamente aguardada há cerca de uma década! Contudo, não basta passar o papel para a tela do computador. É necessário muito mais, para aproveitar o poder de processamento dos computadores para imprimir eficiência ao órgão judicial. Isso exige repensar todo o modo de ser do processo e, especialmente, uma reengenharia das estruturas internas dos órgãos judiciais. Algo que, na minha modesta opinião, deveria ter sido feito antes de passar o papel para a tela. Planejamento de longo prazo, para isso, é essencial.
Para finalizar: a manchete que os brasileiros querem ler - quiçá chegue o dia! - não é a de que um processo acabou em dez dias úteis, fruto evidente de situações excepcionalíssimas ou de notícias imprecisas, mas a de que TODOS os processos terminam antes de um ano.
2 comentários:
Realmente o título da matéria está equivocado no site do TJ/SP: o que foi proferida, na verdade, foi uma decisão interlocutória, não uma sentença. Pode ter sido marketing, mas eu prefiro acreditar que foi erro cometido pela falta de conhecimento técnico de quem escreveu a matéria.
Como foi dito: tutelas e liminares de urgência são concedidas em tempos equivalentes ao noticiado. Contudo, não há de se negar que o "Processo Eletrônico" é um meio muito mais ágil e eficiente de se tratar um processo. Está aí o Fórum do Butantã como exemplo de que tal sistema funciona muito bem.
Erro ou não, há de se ressaltar que o TJ/SP quer repetir o sucesso do Fórum do Butantã nos demais. Assim, esperam ansiosos por boas notícias, mesmo que estas sejam conhecidamente corriqueias aos olhos dos operadores do Direito.
Caro Prof Marcacini,
Passei a acessar seu blog este mês viando à coleta de informações e temas para redigir meu projeto de TCC (chamado de Tese de Láurea da FD-USP), que versará sobre o processo eletrônico.
A notícia do julgamento deste processo em 10 dias no TJSP é especial para mim: fui eu quem "processei" a ação (sou escrevente da 11ª Vara Civel da Capital) e dei ao magistrado a notícia de que a ação estava madura para julgamento passados 10 dias úteis de sua distribuição
Tratava-se de ação visando à revisão de cláusula em contrato de seguro-saúde. Intimada da decisão concedendo a tutela antecipada (que foi proferida no 1º dia de trâmite da ação), a seguradora contestou a ação antes da expedição do mandado. A resposta foi juntada aos autos após o fim do recesso forense e a autora apresentou réplica. Não se trata, portanto, de sentença sem resolução de mérito ou de simples interlocutória, mas de tutela satisfativa dada em uma ação que, na melhor das hipóteses, tramitaria fisicamente de 6 a 8 meses em meu cartório.
Aproveito para dizer que já adquiri sua tese de livre-docência, muito bem recomendada pelo colega acadêmico Fábio Bernardeli e pela Assessoria da Presidência do TJSP para assuntos de Informática. Acompanharei o blog em busca de novidades sobre o tema.
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