segunda-feira, 25 de março de 2013

Será o fim do papel? (3ª parte - FINAL)


No segundo texto desta série, argumentei que o papel sobrevive nos jornais e revistas de notícias, bem como nos livros, tão somente pela falta de um modelo de negócio viável. Jornais e revistas estão em passo mais adiantado na migração para um novo ambiente totalmente digital, pois o livro em papel encerra outras dificuldades práticas: a preocupação com a proteção do conteúdo autoral contra reprodução indevida é muito mais crítica do que a dos noticiosos.
Por outro lado, a tecnologia desenvolvida para impedir a cópia ilegal do livro digital (conhecida pela sigla DRM) costuma tornar o produto desinteressante ao leitor, por ser demasiadamente restritiva.
Além dos exemplos que dei no post anterior, acrescento que, há mais de uma década, tive uma má experiência nesse sentido, quando comprei um conhecido dicionário em formato digital.
O uso do dicionário eletrônico, sem dúvida, proporcionava uma experiência muitíssimo mais rica do que a da versão em papel, dadas as múltiplas formas de pesquisa que eram oferecidas. Minha alegria acabou quando fiz upgrade do meu sistema operacional, pois o dicionário já não era compatível com a nova versão, justamente por causa da DRM nele implementada. Foi, então, lançada em seguida uma nova versão do dicionário, compatível com a versão mais atual do sistema operacional. Bem... sendo assim, fiz contato com a editora e perguntei se teria direito a um upgrade, a preços reduzidos, já que havia comprado a versão anterior, agora obsoleta. E a resposta foi negativa. Se quisesse continuar a utilizar o dicionário eletrônico no novo sistema operacional, a única opção seria pagar novamente o seu preço integral, adquirindo o novo produto (o que eu reincidentemente fiz... e viria mais tarde a perder o uso dele quando passei a usar sistemas Linux).
Ora, pensei então, o dicionário em papel – que à época era mais barato do que o software – ainda estaria disponível na minha estante...
Com o avao da Internet, no entanto, novas opções surgiram para o oferecimento de livros digitais, criando um ambiente adequado ao desenvolvimento de produtos mais aceitáveis do que um software que fique vinculado a um único computador, ou a uma determinada versão de sistema operacional.
Surgiram nos últimos anos inicialmente apenas no mercado externo, mas aos poucos aportando no Brasil algumas novidades bem interessantes: a venda de exemplares digitais, com proteção ao conteúdo obtida mediante o uso de dispositivos específicos de leitura, os e-readers, ou leitores eletrônicos.
E tal modelo, fortemente calcado nas possibilidades trazidas pela Internet, parece ser algo muito mais palatável do ponto de vista do leitor, pois praticamente simula algumas das práticas que o livro em papel permitiria a ele.
A vertiginosa queda do custo de produção de computadores portáteis (basta lembrar que um notebook básico custava mais de 5 mil reais há cerca de seis anos) é o que permitiu a criação desse novo modelo. Um aparelho eletrônico de leitura, capaz de armazenar milhares de volumes, já é vendido a preços comparáveis aos de um livro um pouco mais caro.
Assim, basta comprar um pequeno aparelho, dotado de conexão à Internet, e nele ler os livros adquiridos nas lojas virtuais. Há razoável concorrência entre algumas grandes empresas que adentraram este mercado de livros digitais, cada qual com seu aparelhinho: a Amazon, maior livraria virtual do mundo, com o pioneiro Kindle, lançado no mercado norte-americano em 2007, e que em dezembro do ano passado finalmente chegou ao Brasil; a Barnes & Noble, outro livreiro gigante, lançou o Nook; há o canadense Kobo, também recém chegado ao mercado brasileiro com a oferta de obras nacionais em parceria com a Livraria Cultura; a Sony lançou o Reader; e ainda existem o JetBook e o Pocketbook; a gigante empresa de Internet, Google, por sua vez, oferece livros digitais na sua loja Google Play, que podem ser lidos em dispositivos com o seu sistema Android, ou em um computador PC, usando o navegador.
Não adquiri, claro, esses aparelhos todos, mas até onde pude me informar há entre eles um modelo de negócio bastante semelhante. O que falo a seguir é fruto de minha experiência específica com o Google Play e, mais profundamente, com o Kindle, da Amazon, mas creio que em linhas gerais se aplique aos demais.
Os livros adquiridos ficam na “nuvem” (tradução do termo inglês “cloud”, terminologia do mundo da informática que tem sido empregada para designar o armazenamento de dados ou o oferecimento de aplicativos editores de texto, por exemplo – que ficam hospedados em servidores de Internet e podem ser utilizados pelo cliente a partir de qualquer computador a ela conectado). Isto é, os livros ficam armazenados em uma conta pessoal mantida nos computadores da livraria virtual e podem ser baixados quando necessário para seus aparelhos eletrônicos de leitura, ou eventualmente para o próprio PC, mediante o uso de softwares específicos de leitura e gerenciamento de sua moderna “biblioteca”.
Com isso, há um certo controle a evitar a contrafação das obras (o arquivo baixado está protegido com tecnologias DRM), mas ao mesmo tempo oferece-se ao comprador um padrão de uso mais próximo daquele do livro em papel.
A Amazon, por exemplo, permite vincular até sete dispositivos a uma mesma conta do usuário, que pode por si, mediante acesso ao sistema de gerenciamento disponível pelo site, desconectar ou conectar aparelhos. Isso significa dizer que, ao comprar um livro, poderei lê-lo tanto no meu Kindle como em meu PC doméstico, ou no do escritório, ou, ainda, em um outro Kindle de minha esposa ou de meus filhos. Ora, se tenho dez livros na estante e pego um deles para ler, minha família não estaria impedida de ler os outros nove... Então, se comprei vários livros eletrônicos, enquanto leio um no meu Kindle, os meus filhos podem simultaneamente ler outros nos seus próprios dispositivos, ou no PC.
Além disso, o que me pareceu bastante convidativo, os livros também podem ser lidos em outros dispositivos móveis, pois há aplicativos de leitura gratuitos para os sistemas operacionais da Apple (para iPhone ou iPad) ou para os sistemas Android, presentes em diversas marcas de tablets ou celulares. Noutras palavras, para ler edições Kindle, nem sequer é necessário adquirir um aparelho Kindle!
Ou, ainda, em um desktop ou notebook padrão também é possível ler os livros, usando um aplicativo para PC (disponível para Windows ou Mac), ou simplesmente usando seu navegador (o que permite a leitura também em plataforma Linux!) por meio do link http://read.amazon.com e entrando no sistema com seu login e sua senha.
Outra interessante comparação: em uma livraria, é comum tirarmos livros da estante, folheá-los, ler pedacinhos do texto, ou examinarmos o índice. Se interessar, compramos. Também isso é possível nesse novo modelo eletrônico, só que remotamente: dá para pedir uma amostra grátis, que apresenta apenas uma parte inicial do livro, que é do mesmo modo instalada nos leitores eletrônicos. Podemos, então, conhecer um pouco mais a obra, antes de decidir se vale a pena comprá-la.
Parece-me, então, que tais modelos de venda são bastante razoáveis, porque não inibem o leitor de fazer um fair use dos livros pelos quais pagou, de modo muito próximo do que faria se tivesse adquirido livros físicos.
Há, no entanto, quem diga que não há experiência melhor do que ler um livro em papel. É mais agradável aos olhos. É bom folheá-lo, senti-lo... alguns românticos dizem gostar até do cheiro do papel (certamente não devem saber o que é ser alérgico à poeira...). O que posso retrucar, em resposta a essas pessoas? Nada! Argumentos racionais são passíveis de discussão; paixões ou gostos pessoais, não.
Pois eu já estou tão viciado em bugigangas eletrônicas, que prefiro ler nas telinhas (ou nas grandes, dos desktops) tudo o que for possível: documentos que clientes me enviam por e-mail, monografias de alunos (há anos que não recebo textos em papel de meus orientados, e lhes devolvo minhas obervações também em formato digital, eliminando impressões), minhas próprias petições judiciais, jurisprudência, notícias... e, nos últimos dias, estou lendo livros nas plataformas que mencionei aqui. Aos recalcitrantes acreditem! o papel não é tão melhor assim de ler, isso é só uma questão de costume. Costume esse que as novas gerações estão modificando sem pestanejar.
Nos últimos anos, tenho notado o crescente número de alunos que comparecem às aulas não com Códigos, nem carregando um pesado Vade Mecum, mas com notebooks e, mais recentemente, com tablets ou telefones celulares. Em tese, pode-se levar a legislação inteira do país em um moderno smartphone. E também usam os aparelhos para fazer anotações de aula. O caderno, para parte dessa nova geração, já acabou!
Da soma desses fatores (diria eu, especialmente porque o modelo é justo para com o leitor!), as vendas de livros eletrônicos têm atingido surpreendentes estatísticas. Segundo foi noticiado em janeiro de 2011, desde os três últimos meses de 2010 a Amazon norte-americana passou a vender mais livros digitais do que em papel. O Kindle foi lançado em 2007; bastaram, portanto, três anos para as edições eletrônicas superarem as vendas dos livros tradicionais. E isso se repetiu em seguida na filial do Reino Unido, onde o Kindle foi lançado em outubro de 2009: em meados de 2012, as vendas em formato digital superaram a dos livros físicos.
Vencido o desinteresse dos leitores, e criado um modelo de negócio viável para todas as partes envolvidas, ouso dizer mais uma vez que em todos os demais aspectos o formato eletrônico supera largamente o tradicional, desde os argumentos, digamos, “ecológicos”, relacionados à produção, transporte e descarte final do papel, como os relacionados à eficiência do modelo. Assim que comprarem um livro pela Internet, de sua casa ou escritório, a qualquer hora do dia ou da noite e, segundos depois, puderem vê-lo presente no seu mágico aparelhinho de leitura, entenderão do que estou falando.
E, do ponto de vista do autor, a publicação em livros eletrônicos reduz drasticamente o tempo de espera para que sua obra atinja o público, pois a velocidade obtida no universo dos bits é, nesse aspecto, algo insuperável: em tese, pronto e enviado o arquivo final, o livro poderá estar disponível à venda quase que imediatamente, em todo o mundo.
Encerro aqui esta sequência de três pequenos textos. Não foi meu objetivo convencer ninguém das vantagens deste ou daquele outro modelo, mas sim apresentar-lhes as informações que obtive e consequentes reflexões que desenvolvi nas últimas semanas, em que resolvi “brincar” um pouco com as opções de livro digital e ver como as coisas se encontram atualmente neste campo.
Posso ao menos dizer que, a mim, a elaboração e divulgação desses três pequenos textos serviram para discutir o assunto, seja on line ou pessoalmente, com meus relacionamentos profissionais e de amizade, o que foi importante para, juntamente com o material que levantei, ajudar na formação de minhas ideias sobre o assunto e na tomada de algumas decisões pessoais.

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