Terminei
o post anterior
com a afirmação de que há um campo em que o papel ainda parece
resistir bravamente: a publicação de livros. E deixei a pergunta
final: continuaremos a ler livros em papel?
Diferentemente do setor jornalístico, que, como se
sabe, obtém receita pela publicidade, publicações autorais
dependem da venda de exemplares.
Para
o modelo de negócios
do setor jornalístico, portanto, parece
mais fácil encontrar guarida na Internet ou em
outros formatos
digitais. Isso porque a preocupação com a proteção do conteúdo
não é algo
tão relevante.
Afinal, notícias ficam velhas logo. Ser capaz de vender jornais e
revistas é importante para que o anunciante saiba qual o público
que conseguirá atingir com a propaganda
neles
veiculada. Nos
dias seguintes, aquele material todo já
não tem muito
valor
para a empresa de notícias (como
também para o leitor!): a
receita virá dos anúncios feitos nas
edições seguintes.
No
ambiente literário, entretanto, as
coisas são diferentes.
Autores, seus editores e o restante da cadeia econômica, que inclui
distribuidores e livrarias, são remunerados pela venda dos
exemplares dos livros, que,
por sua vez, são produtos de utilidade muito mais duradoura do que
jornais.
De
certo modo, assim como para o mundo das notícias, o livro em papel
ainda não morreu por dois motivos: o hábito inercial
dos leitores e a falta de um modelo de negócio sustentável.
Igualmente, se pensada apenas
a eficiência da
distribuição (como me
referi no post
anterior), o papel será
surrado pelo meio eletrônico.
Por
várias vezes na
última
década,
no ambiente acadêmico, sustentei entre meus pares que já não havia
sentido publicar
revistas científicas em papel, a menos que houvesse ali alguma
finalidade
econômica.
Instituições de ensino que apenas desejam divulgar sua produção
científica – e invariavelmente costumam
distribuir
de graça, ou a preço de
custo, os
seus periódicos – não têm
qualquer razão para continuar
a publicar revistas em papel.
A Internet permite reduzir o
custo da publicação
e ao mesmo tempo atingir um universo ilimitado de leitores, que
podem localizar os artigos a
partir das populares
ferramentas de busca,
vantagens
que a restrita edição em papel jamais proporcionaria.
Quando,
porém, a publicação de um livro ou revista de
artigos é
motivada por interesses também
econômicos,
tanto
de
seu autor como
do
restante da cadeia econômica
correlata, o meio digital
ainda parece ser um assustador pântano de dificuldades práticas.
O
problema da migração para o livro digital reside na facilidade de
replicação dos arquivos gerados
nesse
formato.
O papel atua, no
caso dos livros,
não apenas como um mero suporte para
transmissão da palavra: é também uma forma de controle
e proteção sobre o
produto econômico. Além,
claro, da proteção legal aos direitos autorais, a
reprodução ilícita de um livro sempre
enfrentou
outros óbices práticos que
ajudavam
a inibi-la: o custo da
fotocópia em papel e
a pior qualidade do resultado final. Melhor
pagar por um livro do que por uma horrível resma de papel borrado e
torto...
Há
cerca de vinte
anos, quando gravadores de CDs tinham custos proibitivos (se minha
memória não me trai, quando foram lançados no Brasil custavam mais
de 2 mil dólares) e
os também
caros discos rígidos dos
computadores pessoais tinham
capacidade em torno de uns
100 Mb (menos de um sexto da
capacidade de um CD), a
publicação de revistas
de jurisprudência
em CD-ROM
pareceu ser um porto seguro para
o editor. Lembro-me
de ter adquirido duas ou três revistas neste formato, que já
apresentavam largas vantagens sobre o papel, especialmente por
não ocuparem
prateleiras inteiras: uma
centena de revistas do STJ cabia num pequeno disco de plástico!
Claro, nos dias de hoje a
distribuição de livros em um CD comum
já
não representa qualquer proteção física para o editor.
Surgiram
então, as tecnologias DRM (Digital Rights Management,
ou Gerenciamento Digital de Direitos): técnicas que procuram impedir
a duplicação de conteúdo digital. São
tecnologias controvertidas, que enfrentam vigorosa oposição. Mas,
à parte esta questão de
cunho mais propriamente político, sem dúvida parece ser necessário
encontrar um ponto de equilíbrio
na proteção autoral de conteúdo digital.
O
problema prático de algumas tecnologias DRM, especialmente as
primeiras que surgiram, é que elas tornavam o livro digital um
produto muito menos desejável do que o livro em papel. Apoiando-me
apenas no que minha lembrança permitir (nem
faço ideia de como recuperar essas informações perdidas
no tempo, senão pela minha
memória e a dos amigos leitores que
quiserem colaborar...),
recordo-me de ter visto ao
longo dos anos alguns
produtos com proteções tão complexas e restritivas
que não despertei por eles o mesmo interesse que tive, por exemplo,
em comprar a Revista do STJ em
CDs, em meados
dos anos 90.
Via
de regra, os produtos eram registrados com códigos que os vinculavam
a especificações de hardware de um
determinado
computador. Lembro-me
até de um produto – só não consigo rememorar qual foi – que
ainda
vinha acompanhado de um pequeno aparelho a ser conectado na porta
serial (ou
seria
na porta paralela?)
do computador. O problema é que tais mecanismos não só impediam o
uso do produto em outro computador também seu,
como ainda causariam problemas quando da substituição ou manutenção
daquele computador em
que os livros ou revistas
foram instalados. Se fosse necessário substituir o disco rígido,
por exemplo, isso invalidaria
o produto instalado... Um
livro em papel, convenhamos, nos oferecia maiores possibilidades de
uso.
Eram tempos pré-Internet...
A
popularização da Internet e, especialmente, a sua
constante melhoria de
qualidade e velocidade da
conexão, aliada à
proliferação de dispositivos móveis
capazes de acessá-la, parece abrir finalmente um campo promissor
para modelos de negócio que consigam contrabalancear de
modo mais equânime os dois
interesses em jogo: a proteção do conteúdo e os direitos do leitor
que adquiriu justamente um exemplar da
obra. Sem
isso, não haverá produtos viáveis, seja porque os
leitores
não se interessarão
por eles, seja porque ficará
comprometida a receita do
autor.
A tecnologia tem buscado novos caminhos. Retomei meu
interesse pelo tema neste início do ano de 2013 e tentei conhecer um
pouco mais as novas opções disponíveis.
Estou
tentado a afirmar que o livro
em papel começou a morrer.
Continuo
no próximo post.
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