segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A invulnerabilidade (por decreto!) da urna eletrônica

Semelhança atrai semelhança! É o que se costuma dizer por aí... Enquanto o Tribunal Constitucional alemão disse que as urnas eletrônicas são inconstitucionais (comentado aqui, neste blog), e a Holanda voltou a usar lápis e papel nas eleições (também mencionado aqui), o portal G1 noticiou ontem que a polícia (da Índia) prendeu hacker indiano que identificou falha em urna eletrônica (também da Índia).

A Índia é nossa parceira dos BRICs, não é? Está no nosso time de economias promissoras terceiro-mundistas, em que a democracia é manca e a opinião pública - por fatores variados, que vão desde o porrete até o analfabetismo funcional - é fraca.

Esse parece ser o ambiente propício para a má-informatização do Estado, em todos os níveis. Há um certo desenvolvimento, que lhe permite investir em tecnologia; é fácil silenciar vozes dissonantes, se não pela força física, pelo poder midiático do Estado e a incapacidade de compreensão, pela sociedade, de problemas tão sofisticados; daí, para o agente público se sentir o deus da tecnologia, que entrará para a História como o grande modernizador da Nação, o passo é curto. Isso se formos limitar seu pecado a apenas um dos sete, a vaidade. E para não falar no Código Penal...

O cientista indiano encontrou falhas na urna eletrônica de seu país. Está preso porque o teste não foi autorizado. Ele obteve uma urna para testar por algum canal, digamos, "alternativo" (que ele heroicamente omitiu até o momento... por isso está preso!). Sim, porque ninguém pode honestamente testar uma urna eletrônica à exaustão. Lá, como cá, as autoridades responsáveis pela eleição (cá, o TSE) não permitem testes exaustivos e independentes.

O máximo a que se chegou aqui no Brasil, não sem alguma pressão, foi a realização de uma "auditoria" extremamente regrada e controlada pelo TSE. Como se quem comete fraudes fosse se sujeitar a limites impostos pela vítima (se bem que, neste caso, a vítima é a sociedade, não o TSE...). O Prof. Pedro Rezende, da UnB, narrou como tais testes foram efetivados: 13 dos 20 supostos "hackers" não demonstravam ter a necessária expertise em testes de invasão de sistemas: eram funcionários públicos de diversos órgãos do Governo, "técnicos escalados pelo chefe que atendera por telefone algum pedido nesse sentido".

E prossegue Rezende:

"Sem direito de acessar ou compilar código fonte dos softwares (pois "foge ao escopo"), e sem tempo para conhecer detalhes de implementação do sistema, restava aos técnicos que aceitassem as regras -- imaginou-se -- tentar adulterar algum código executável, na busca de sucesso em ataques pré-autorizados. Porém, durante os testes, nenhum dos vinte técnicos sequer utilizou linguagem Assembly no modo protegido dos processadores da urna. Técnicos que ali não seriam hackers, seriam lamers "do bem"? " (grifei)

Como se vê, deixam testar. Mas não se pode mexer muito, né?

Ainda assim, com todas as restrições, um dos sete técnicos independentes (aqueles que não estavam lá por ordem do chefe...) apontou que é possível fraudar o sigilo da urna com um rádio AM/FM. Pode-se especular que não conseguiu mais porque o teste durou apenas 4 dias. Nenhum teste sério de segurança, de qualquer sistema que seja, pode ser assim limitado no tempo, ainda mais em tempo tão curto, para um sistema que não é de amplo conhecimento prévio dos auditores.

Se falhas como as apontadas nas urnas indianas não são detectadas e divulgadas por aqui, é porque o TSE não deixa testá-las independentemente, sem regras casuisticamente estabelecidas, como o faria um fraudador que pudesse pôr suas mãos sujas na maquininha. E porque nenhum patriota tentou conseguir uma urna sem autorização e repetir o feito do indiano Hari Prasad (e também correr o risco de ser preso...).

A urna eletrônica, portanto, só é invulnerável por decreto. É claro que proibições neste sentido só atingem quem tem por norte cumprir a lei... Quem frauda eleições não costuma ser muito sensível a esses limites.

3 comentários:

Amílcar Brunazo F. disse...

Muito bem, Augusto.
Este seu artigo já repercutiu no Fórum do Voto Seguro e no Fórum do Voto-E.

Anônimo disse...

Não há dúvida que é um bom argumento.
Mas eu tenho 72 anos bem vividos e presenciei as eleições com lápis e papel no Brasil e principalmente no rio de Janeiro.
Era uma vergonha só, milhares de pessoas em volta dos escrutinadores " acho que era assim que chamavam aqueles que contavam os votos e era um Deus nos acuda, até carinha olhando com a lamina da faca a mostra.
Ainda acho que este modelo com urna eletrônica melhor.
Afinal ela tem as pesquisas como parâmetro.

Augusto Marcacini disse...

A propósito do comentário acima, do(a) Sr(a) Anônimo:

Perfeição não existe. Não tenho (ainda, espero) 72 anos mas também tenho idade para saber o que era uma eleição com voto em papel. Aliás, quando estudante, fui convocado para contar votos e passei quatro longos dias no Anhembi.

Mas aquilo que V.S. pensa ser uma "vergonha" (a publicidade na contagem) é, na minha opinião, o pilar da eleição livre e democrática.

Quanto ao homem da faca, nada nos garante que ele não tenha apenas trocado de lugar. Se antes ele ameaçava UM ou DOIS escrutinadores para levar meia dúzia de votos, hoje ele pode ameaçar um dos poucos técnicos do TSE e desviar votos do país inteiro. É ilusão sua supor que só porque a urna é eletrônica, a fraude se tornou impossível e as pessoas que faziam isso agora estão em casa acomodadas assistindo à novela.

O nosso sistema, COMO ESTÁ, simplesmente escondeu do público o que está (ou pode estar) ocorrendo. O seu homem da faca ao menos era público. Se faltou polícia para pegá-lo, o problema ali no lugar era muito mais fundo, não era, absolutamente, um problema do voto em papel.